Ao recusar a carne bovina brasileira, o Carrefour provocou uma reação que ficará marcada na história do agro brasileiro. Uma virada de chave no marketing rural.
Discriminado constantemente por prática comercial danosa, pela 1ª vez o agro abandonou sua tradicional posição defensiva, mostrando altivez no confronto com seu poderoso concorrente europeu. Esqueceu o clássico, e vergonhoso, vitimismo, partindo para uma ação positiva em defesa de seu produto e, no fundo, de sua imagem setorial no mercado.
A nota de retratação assinada por Alexandre Bompard, CEO do Carrefour, comprova o sucesso da estratégia brasileira, cujo foco residiu em boicotar o fornecimento de carnes à rede de supermercados francesa, incluindo o Atacadão e o Sam’s Club, pertencentes ao mesmo grupo econômico.
Logo no início da encrenca, Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, deu a linha do contra-ataque, argumentando que "se a carne nossa não serve para eles lá, não serve para os brasileiros aqui dentro também". Na mosca.
Grandes frigoríficos nacionais suspenderam a entrega de carnes à rede do Carrefour, que viu suas prateleiras minguarem, ameaçando perder clientes. O movimento se expandiu para outros países da América Latina. No final das contas, os franceses enfiaram o rabo entre as pernas e reconheceram, em sua nota oficial, que: "A agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito as normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão […] pedimos desculpas". Aceitas.
Curioso, nesse episódio, é perceber que a França, como os países da Europa em geral, pouco consome atualmente da carne bovina brasileira. A abertura de mercados na Ásia e no Oriente Médio reduziram a participação da UE (União Europeia) nas exportações para 6% do total. A fatia da França beira 1% das nossas vendas externas de carne bovina. Motivo: o protecionismo europeu, erigido para privilegiar a carne oriunda do próprio bloco.
Ou seja, comercialmente, o Carrefour da França cessar as compras de carne de gado verde-amarelo não afeta quase nada o agronegócio bovino do Brasil.
Mas, então, qual razão levou uma empresa gabaritada como o Carrefour a dar uma mancada dessas?
O jogo da política interna francesa. Segundo o próprio Bompard, a decisão do Carrefour foi tomada para agradar aos agricultores franceses, que protestaram violentamente, fazendo bloqueios de rodovias da França, contra o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul.
Aqui, reside a explicação: os agricultores europeus temem a competição com o agro brasileiro e argentino, especialmente. Para agradar seus consumidores, na linha do politicamente correto, certas empresas nos achincalham, contando com o velado endosso do presidente da França, Emmanuel Macron, sempre de olho no seu eleitorado.
Não é de hoje que a carne bovina do Brasil sofre com a discriminação comercial dos europeus. Em 2005, a Irlanda, o maior país produtor de carne bovina da UE, fez uma campanha de boicote à carne brasileira para "defender a Amazônia". Uma picaretagem ecológica. Cinco anos depois, John Bryan, poderoso presidente da Associação dos Produtores da Irlanda, defendeu a suspensão das importações, dessa vez acusando o alimento de conter resíduos do vermífugo ivermectina. Era tudo mentira.
É condenável a prática de comércio desleal. Por outro lado, há que se entender que os agricultores europeus têm certa razão em ficar nervosos. Graças ao desenvolvimento tecnológico, nos últimos 20 anos, a carne bovina brasileira obteve um incomparável grau de qualidade, sabor e preço, abrindo as portas do comércio internacional, e isso ameaça a ineficiente pecuária europeia. A única chance deles, é convencer o consumidor a boicotar a carne brasileira. Daí, inventam maldades contra a nossa boiada.
Frente aos contumazes ataques ao agro nacional, a reação do agro brasileiro costumava ser aquela típica do vitimismo, cheia de chororô e carregada de irados discursos ruralistas do tipo "querem acabar conosco, ninguém gosta de mim, me ajudem que estou morrendo…". Dessa vez, não. Reagimos com altivez e demos o troco com categoria.
Vem de alguns anos esse aprendizado de trocar o xingo e as caneladas pela diplomacia comercial. Nas empresas e no governo, o Brasil investiu em adidos agrícolas, aprimorou base de dados, preparou quadros técnicos, dialogou com jornalistas e formadores de opinião, preparou sua narrativa, ou seja, em vez de espernear, pegou o touro à unha.
Temos que agradecer ao Carrefour. Sua provocação nos permitiu provar que a carne brasileira tem ótimo padrão de qualidade. Reagimos à altura de uma nação inteligente.
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