O Censo da Agricultura dos EUA, recentemente divulgado, traz resultados que ajudam a avaliar as tendências do agro, com reflexos no Brasil. Evidências contra achismos.
Responsável, desde 1997, pelo Censo, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) realiza o trabalho de campo a cada 5 anos, fornecendo a base de dados para avaliação e formulação da política agrícola norte-americana. O último levantamento das farms foi realizado em 2022.
Cuidado com a questão metodológica: para ser uma "farm" nos EUA, a localidade precisa ter produzido e vendido produtos cujo valor ultrapasse US$ 1.000 anuais. Na definição do departamento em inglês está, especificamente:
"The agriculture census definition of a farm is any place from which $1,000 or more of agricultural products were produced and sold, or normally would have been sold, during the census year".
Quer dizer, o USDA associa à propriedade rural uma função-renda, estabelecendo um mínimo para se enquadrar no Censo da Agricultura.
No Brasil, não. O IBGE considera um "estabelecimento rural" qualquer unidade de produção rural subordinada a uma única administração, independentemente da renda produzida no local. Ou seja, unidades não produtivas, como chácaras de final de semana, sítios de moradia e até ranchos de pescaria entram no Censo Agropecuário do Brasil.
A diferença conceitual é enorme. Dos 5.073.324 estabelecimentos rurais recenseados no Brasil em 2017, pelo IBGE, um total de 1.276.730 (25,1%) não informaram produção alguma. Tiveram zero de renda agrícola. Nos EUA, seriam desprezados no Censo.
Faço a seguir 10 destaques do Censo da Agricultura USDA/2022, que podem interessar aos entusiastas do agro mundial e brasileiro:
1 - O número de fazendas norte-americanas continua diminuindo, perfazendo em 2022 um total de 1.900.487 unidades produtivas; em 1997, eram 2.215.876, mostrando uma redução de 14,2% nos últimos 25 anos. Não se verifica esse fenômeno no Brasil.
2 - A área total ocupada pelas fazendas norte-americanas também continua em queda, passando de 386,4 milhões de hectares (1997) para 356,2 milhões de hectares (2022). Essa área é semelhante àquela detida pelos estabelecimentos rurais do Brasil, de 351,3 milhões de hectares (IBGE/2017).
3- O tamanho médio das fazendas norte-americanas cresceu, no período de 25 anos, de 174,4 hectares (1997) para 187,4 hectares (2022). Tal área média é bem superior à brasileira, de 69,2 hectares (IBGE/2017).
4 - Houve, de 1997 a 2022, uma valorização de 298% no valor das fazendas norte-americanas, incluindo a terra e as construções rurais. Em 2022, o valor médio do hectare estava em US$ 9.503, o quádruplo do preço médio das terras brasileiras.
5 - Em 1997, as menores fazendas (área até 72 hectares) representavam 64,5% do total das fazendas norte-americanas; 25 anos depois, sua participação cresceu para 70,1%. Inusitado.
6 - As maiores fazendas (área acima de 809 hectares), que em 1997 representavam 3,3% do total das fazendas norte-americanas, elevaram sua participação para 4,4% (2022). Esperado.
7 - Quem perdeu espaço na estrutura agrária norte-americana foram as fazendas médias (área de 72 a 809 hectares), que reduziram sua fatia de 32%, em 1997, para 25,5%, em 2022. Chama a atenção.
8 - Reduziram-se as áreas efetivamente cultivadas (harvested cropland) dos EUA: passaram de 129,1 milhões de hectares para 121,9 milhões de hectares, de 1997 a 2022. No Brasil, a área com lavouras, temporárias e permanentes, ocupava 62,4 milhões de hectares (IBGE/2017). Cresce sem parar.
9 - Os agricultores considerados familiares mostraram uma pequena redução, passando de 86,8% do total em 1997, para 84,7%, em 2022. Atenção: ser familiar, nos EUA, significa o proprietário conduzir a gestão da fazenda, independentemente do tamanho da área. No Brasil, agricultor familiar significa ser pequeno e pobre.
10 - A área irrigada nos EUA era de 22,2 milhões de hectares em 2022, significando 18,2% das áreas cultivadas; no Brasil, a área irrigada era de 6,7 milhões de hectares (IBGE/2017), cerca de 10,7% da área com lavouras. Nos EUA, verificou-se, porém, uma redução de 1,25 milhão de hectares irrigados de 2017 a 2022; no Brasil, a FAO indicou crescimento para 8,2 milhões de hectares em 2023.
Concluindo, é sabido que a fronteira agrícola dos EUA anda esgotada há dezenas de anos. Agora, percebe-se claramente que a agricultura norte-americana está encolhendo de tamanho. Por quais motivos?
Pode-se arrolar a pressão urbana sobre seus territórios, as políticas ambientais restritivas e as mudanças climáticas que, especialmente na Califórnia, reduziram a oferta de recursos hídricos para a irrigação de lavouras.
Chama a atenção, entretanto, a manutenção das pequenas propriedades na agricultura norte-americana. O avanço tecnológico, conjugado com a diversificação produtiva, atrelada aos mercados locais, oferece novas oportunidades aos pequenos produtores.
As médias fazendas, porém, diminuíram. Aqui, reside a grande dúvida, o maior drama, válido para os EUA como para o Brasil: até onde vai a concentração do capital no campo?
Ninguém sabe a resposta.
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