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Chegou a vez do trigo - por Xico Graziano

Produção do cereal bateu recorde em 2022 e pode chegar a 10 milhões de toneladas em colheita de 2023


O trigo foi o destaque positivo do agro brasileiro em 2022. Houve recorde de produção e as exportações surpreenderam. Voltou o sonho da autossuficiência.

O feito é sensacional. Para abastecer o mercado da farinha branca, o Brasil sempre dependeu de volumosas importações - na ordem de 50% do consumo interno. Configura a maior fragilidade do agro nacional. E por que isso ocorre?

Acontece que o trigo -o 2º cereal mais plantado no mundo, depois do milho- é uma típica lavoura de inverno. A razão é fisiológica: o frio estimula o florescimento do vegetal e, consequentemente, a boa formação dos grãos. Por tal razão, o Brasil nunca o produziu muito, confinando as lavouras no Sul.

Por outro lado, até meados do século 20 o consumo interno de trigo era baixo. Exceto pela influência da imigração europeia, que aprecia massas, o hábito alimentar do brasileiro se bastava com a farinha de milho e a de mandioca.

Tudo começou a mudar no pós-guerra, com influência da política norte-americana e europeia no estímulo à demanda mundial de trigo. Desde o final dos anos de 1970, o macarrão e a lasanha entraram decididamente na mesa da população, deslocando alimentos tradicionais. A broa de milho e o pão de mandioca ficaram esquecidos.

Só que a oferta de trigo não acompanhou o crescimento do consumo, devido às limitações tecnológicas da produção rural. Foi a sorte da Argentina. Tendo regiões mais propícias, o país vizinho passou a dominar as vendas ao Brasil.

Naquela época, a dependência criou preocupação no governo militar, que formulou um forte programa de subsídios agrícolas ao trigo brasileiro em direção à autossuficiência. O auge desse processo se deu em 1988, quando o Brasil produziu 86% do consumo interno de trigo. O sistema, porém, custava bilhões de reais ao Tesouro. E permitia os desvios de sempre.

A abertura da economia executada por Fernando Collor, a partir de 1990, praticamente acabou com os fartos subsídios ao trigo. Resultado: em 1995, o Brasil respondia por só 20% do trigo consumido internamente.

Tudo parecia perdido. Mas o choque de realidade passou a receber o auxílio da verdadeira salvação da lavoura: a pesquisa científica e o avanço tecnológico. Novas variedades de trigo, adaptadas ao calor subtropical e resistentes a pragas, surgiram criando aumentos de produtividade no campo. A competitividade entre o trigo nacional e o importado se reestabeleceu em bases, agora, tecnológicas. A evolução dos sistemas de plantio deu ao Rio Grande do Sul e ao Paraná, principalmente, novas condições para a triticultura.

Por alguns anos os produtores rurais ficaram brigando, ora progredindo, ora decaindo, com a importação do cereal. A virada da chave ocorreu em 2021 em função da guerra na Ucrânia. O motivo é simples: ambos os países fornecem cerca de 30% do trigo mundial. Com a falta de oferta no mercado global, o preço em dólares subiu. Países dependentes procuraram novos fornecedores para o seu "pão de cada dia"....

O Brasil começou então a exportar bons volumes de trigo, estimulando aqui os agricultores. De um patamar histórico de produção de trigo ao redor de 7 milhões de toneladas, o estímulo externo elevou a safra nacional, que poderá atingir 10 milhões de toneladas na colheita de 2023. Em 2022, o Brasil exportou 2,7 milhões de toneladas de trigo.

Quem comprou? Arábia Saudita (510 mil t), Indonésia (432 mil t), Marrocos (367 mil t) e Vietnã (260 mil t) lideraram as compras externas do trigo verde-amarelo. Dezenas de países sentiram falta do milenar cereal. Estabeleceu-se um dilema comercial. Acontece que o consumo interno não caiu, girando em torno de 13 milhões de toneladas. Ou seja, o país não reduziu as importações de trigo, embora tenha elevado suas exportações como nunca.

Quem decidirá a jogada, doravante, nessa inusitada competição entre o trigo importado e o exportado será a equação produção X qualidade X preço. Tudo indica que, no horizonte de 1 década, o Brasil não só atinja a tão sonhada autossuficiência, como se afirme como bom exportador mundial de trigo.

Um passo será necessário nessa jornada virtuosa: expandir a triticultura para as terras áridas do Centro-Oeste. Sim, será feita a tropicalização do trigo. Como? Por meio de variedades geneticamente melhoradas. Essa fronteira do cerrado já está aberta pelos pesquisadores da Embrapa. Todos os testes de campo já foram realizados. Com irrigação, as lavouras do Oeste da Bahia, no Distrito Federal ou mesmo no Ceará mostram o dobro de produtividade das lavouras sulistas.

Quem diria. O trigo nacional, que detestava calor e mal dava para o gasto, tirou a roupa de inverno e começou a conquistar o sertão do Brasil. É incrível.

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