"Então disse Deus à Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens […] porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra". -Gênesis, 7:13 e 17 Um verdadeiro dilúvio castigou o Rio Grande do Sul. Enormes vales se inundaram de águas barrentas, cuja violência misturou lama com destruição e morte. Tragédias jamais imaginadas....
No rio Guaíba, que recebe as águas da bacia hidrográfica, a cheia avançou sobre Porto Alegre, ultrapassando a desgraçada marca causada pela histórica enchente de 1941. O que podemos aprender com esse terrível fato? Primeiro, que os hoje chamados "eventos climáticos extremos" sempre se fizeram presentes na história da humanidade. Os próprios gaúchos sabem disso, pois há 83 anos, quando ninguém ainda falava da questão ambiental, padeceram um fenômeno semelhante. Secas e enchentes, tufões e furacões assolam o planeta há tempos.
Segundo, o que realmente importa, é que tais "eventos climáticos extremos", especialmente as secas e as enchentes estão, em vários lugares do mundo, se tornando cada vez mais constantes e devastadores. O clima da Terra está mudando. Não se trata de achismo, mas de evidências científicas. No Brasil, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) publicou um estudo (PDF - 4 MB) intitulado "Normais Climatológicas do Brasil". Os dados de precipitação tomados para São Paulo, Belém e Porto Alegre, referentes às últimas 6 décadas, comprovam uma alteração no padrão das chuvas intensas. Na década de 1961/1970, ocorreram 37 chuvas intensas (acima de 50 mm) em São Paulo, nenhuma acima de 100 mm; na década de 2011/2020, foram 47 chuvas intensas, sendo 7 acima de 100 mm e 16 acima de 80 mm.
Em Porto Alegre, as chuvas intensas passaram de 23 para 56 no período considerado.
Em Belém, onde o fenômeno é mais evidente, as 37 chuvas intensas da década de 1961/1970 passaram para 110 de 2011 a 2020. Em ambas as capitais, elevaram-se sobremaneira os padrões de precipitação, com chuvas torrenciais mais constantes.
Há cerca de 50 anos, ouvi, pela primeira vez, alguém falar sobre mudanças de clima. Eu cursava agronomia em Piracicaba quando meu avô materno, José Batistella, comentou comigo que o "tempo não era mais o mesmo". Antes, justificou ele, a gente preparava o plantio no final de setembro, pois as chuvas sempre chegavam na hora certa; agora, arrematou, é arriscado plantar antes de meados de outubro. -"Está ficando estranho isso", vaticinou. A incerteza sobre o regime natural de chuvas aumentou desde aquela época. Mais recentemente, eu próprio, como agricultor, tenho sofrido na fazenda, e sentido na pele, as alterações climáticas. Em 2023, lá no cerrado de Goiás, o regime de chuvas ficou completamente maluco. Lembro de meu avô José a cada seca ou chuvarada que enfrentei nessas décadas e penso como poderão se tornar os próximos 50 anos. Minha impressão é que, nesse período de 100 anos, de 1970 até 2070, tudo na agricultura terá sido completamente modificado. Meu avô não testemunhou as mudanças que previu, nem eu saberei qual a magnitude da transformação, mas minha filha Ingrid, agrônoma como eu, e minha sucessora na lida da terra, sim. Ela se prepara para o pior. Todos nós, agricultores, conversamos sobre essa questão, mas algo terrível nos atrapalha: por razões políticas e ideológicas, muitos de nós negam as mudanças climáticas, embora elas aconteçam aos nossos olhos. Por que isso ocorre?
Basicamente por uma reação ao esquerdismo verde, ideologia que contamina a agenda globalista e trata os agricultores como vilões das mudanças de clima. Funciona como se eles, os urbanos, fossem os mocinhos e nós, ruralistas, os bandidos, incluindo nossos avós. Tal pecha é injusta e inaceitável. O suprassumo da imbecilidade ecológica está em afirmar que nosso rebanho bovino é mais poluente que todos os automóveis, caminhões, motocicletas e demais veículos movidos à combustão, motores que, queimando combustível fóssil, estragaram o ar que respiramos, causaram milhões de mortes por doenças pulmonares e aqueceram a atmosfera planetária. Fora os navios e aviões. Ora, chega de preconceitos e de narrativas vagabundas. Chega de ideologizar a questão ambiental, tratando uma tragédia mundial como uma disputa entre direita e esquerda, entre progressismo e conservadorismo. Chega de rótulos, de sabichões, de fanáticos e de catastrofistas; chega de turvar a realidade pela vil política.
Para enfrentar mudanças climáticas, precisamos trabalhar buscando convergências, procurar o que nos unifica. Só uma aliança política entre campo e cidade, envolvendo cientistas e população, pobres e ricos, jovens e idosos poderá mitigar as emissões de gases de efeito estufa e realizar as adaptações capazes de enfrentar os desastres climáticos. Se alguém ainda tinha dúvidas, a situação do Rio Grande do Sul patenteou uma certeza: as mudanças climáticas já chegaram ao ponto de ameaçar a sobrevivência humana. A solução dessa encrenca civilizatória passa pela união de inteligências. Seremos capazes? Quando Deus, passado o dilúvio, diz a Noé: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra" (Gênesis, 9:1), talvez não supusesse que chegaríamos a 8 bilhões de habitantes; e caminhando para atingir 10 bilhões em 2050. Que ninguém despreze a variável demográfica: a crise climática é, obviamente, fruto da crescente pegada ecológica sobre a Terra. Seria um castigo dos céus, ou é Gaia, a Terra viva, que está reagindo à nossa presença, pois nos tornamos uma ameaça ao futuro? Qualquer que seja a resposta, todos nós somos culpados por isso. Onde estará a nova arca de Noé como salvação?
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