Em um mundo cada vez mais multipolar e interdependente, os acordos comerciais bilaterais voltam a ganhar protagonismo como ferramentas de influência geopolítica e reconfiguração econômica. O recente acordo comercial firmado entre Estados Unidos e Japão é um bom exemplo dessa tendência. Longe de ser apenas um ajuste técnico de tarifas, o pacto sinaliza mudanças estratégicas que impactam não apenas os dois países envolvidos, mas também a estrutura da economia global.
O acordo, que reduz tarifas sobre produtos agrícolas norte-americanos e elimina barreiras para bens industriais japoneses, é celebrado por ambos os lados como um avanço pragmático. Para os Estados Unidos, trata-se de abrir espaço para seus produtores no competitivo mercado asiático — uma compensação parcial pela saída da Parceria Transpacífica (TPP), abandonada em 2017. Já para o Japão, é uma oportunidade de garantir estabilidade comercial com seu maior parceiro estratégico, ao mesmo tempo em que preserva setores sensíveis, como o automotivo, de compromissos mais profundos.
No entanto, os impactos vão além das trocas bilaterais. Em primeiro lugar, o acordo representa um enfraquecimento das iniciativas multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja capacidade de arbitrar disputas e promover regras universais tem sido minada por acordos paralelos. A fragmentação do comércio internacional em blocos e tratados isolados pode gerar insegurança jurídica e assimetrias que favorecem os países mais poderosos — algo que tende a penalizar economias emergentes.
Em segundo lugar, o pacto consolida o Japão como um elo fundamental da estratégia americana de contenção da China na Ásia. Ao reforçar seus laços econômicos com Washington, Tóquio reafirma seu alinhamento com o Ocidente em um momento de crescente rivalidade entre americanos e chineses. Isso tem implicações para países que tentam manter uma diplomacia comercial equilibrada entre as duas potências, como os membros da ASEAN, a Austrália e até o Brasil, que podem ser pressionados a escolher lados em disputas que ultrapassam o campo econômico.
Por fim, há a dimensão tecnológica. Embora o acordo atual foque principalmente em tarifas de bens físicos, ele abre caminho para negociações futuras em áreas como comércio digital, inteligência artificial e propriedade intelectual — setores onde o controle do fluxo de dados e inovação será decisivo para definir o poder global nas próximas décadas.
Em suma, o acordo comercial entre Estados Unidos e Japão é menos sobre soja e carros, e mais sobre influência, estratégia e futuro. Ele simboliza uma nova etapa da globalização: mais seletiva, mais política e, possivelmente, mais volátil. Para o restante do mundo, a lição é clara — adaptar-se ao novo tabuleiro geoeconômico não é mais uma opção, mas uma necessidade urgente.
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