A vitória de Javier Milei nas eleições legislativas na Argentina no último final de semana encerra um ciclo de incerteza política e reacende, ao menos momentaneamente, o entusiasmo dos mercados. Depois de uma campanha marcada por reviravoltas e por um desempenho aquém do esperado nas prévias, o economista libertário conseguiu transformar desgaste em força e consolidar uma base eleitoral mais ampla do que seus críticos julgavam possível. O resultado, que parecia improvável há poucas semanas, é agora visto como uma vitória da ortodoxia econômica em meio ao caos fiscal argentino.
A reação inicial foi clara: o peso argentino subiu frente ao dólar paralelo, os títulos soberanos tiveram valorização expressiva e o risco-país recuou. A Bolsa de Buenos Aires abriu a semana seguinte com alta robusta, impulsionada por empresas de energia, bancos e exportadoras.
O movimento não foi apenas euforia — foi um suspiro de previsibilidade. Para investidores, Milei representa a chance, ainda que arriscada, de uma política fiscal coerente e de reformas pró-mercado. Mesmo com um discurso radical, a sinalização de um time econômico mais técnico e de compromisso com o equilíbrio das contas públicas tranquilizou parte do mercado financeiro.
A leitura dominante entre analistas é que, após anos de heterodoxia cambial, controles de preços e déficits crônicos, a vitória de Milei simboliza o retorno — ainda incerto — a uma racionalidade econômica. O mercado não comemora o radicalismo de Milei, mas sim o afastamento do populismo fiscal que marcou os últimos governos.
O caminho até a vitória, no entanto, foi improvável. Nas prévias de agosto, Milei teve desempenho decepcionante. Parecia que o "fenômeno libertário" de 2023 havia se desgastado. As críticas ao ritmo lento das reformas, a dificuldade de aprovar medidas no Congresso e as tensões sociais deram força à oposição peronista, que retomou parte do eleitorado tradicional das províncias.
Mas Milei reverteu o jogo com uma estratégia dupla: radicalizou o discurso econômico ao mesmo tempo em que moderou o tom político. Nos debates televisivos, abandonou parte da retórica incendiária e falou de estabilidade, segurança jurídica e responsabilidade fiscal — palavras que soaram como música aos ouvidos de uma população cansada de inflação e aos investidores que buscam previsibilidade.
Além disso, o apoio renovado de setores do agronegócio e da classe média urbana, aliados à desmobilização peronista, consolidou a virada nas semanas finais.
Apesar do otimismo inicial, o entusiasmo do mercado é cauteloso. O desafio fiscal argentino é monumental: inflação ainda alta, reservas internacionais limitadas e dívida interna pressionada. Qualquer deslize pode reverter rapidamente a confiança. Milei terá de equilibrar austeridade e legitimidade política — um equilíbrio delicado em um país marcado por décadas de instabilidade.
A primeira prova virá com a montagem do novo gabinete econômico. O grau de autonomia e o perfil técnico da equipe indicarão se o discurso liberal se traduzirá em política de Estado ou se permanecerá como retórica eleitoral.
Porque o resultado foi bem recebido pelo mercado
A resposta é simples: o mercado valoriza coerência. Mesmo um governo ideologicamente duro pode ser visto como positivo se oferece previsibilidade, respeito a contratos e compromisso com ajuste fiscal. O capital tolera medidas impopulares, mas teme improvisos e populismo. Milei, com sua agenda de cortes, privatizações e simplificação tributária, representa um norte claro — e, no curto prazo, isso basta para restaurar parte da confiança perdida.
Em termos regionais, sua vitória também é lida como um contraponto à maré intervencionista da América do Sul. Para o Brasil e para investidores estrangeiros, um governo argentino disposto a reestruturar contas e abrir mercado representa menos risco de contágio e maior possibilidade de integração comercial no médio prazo.
A vitória do partido de Javier Milei é tanto um ato de fé quanto um cálculo racional. Os argentinos decidiram apostar em uma ruptura liberal em busca de estabilidade, e o mercado viu nisso um movimento coerente com o que há de mais previsível em política econômica: disciplina fiscal, abertura e redução do peso estatal.
Se ele conseguirá entregar isso sem aprofundar a crise social, é outra história. Por enquanto, o mercado aplaude. Mas, como sempre, o aplauso dura até o próximo balanço fiscal.
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