Política

O impacto dos trabalhadores por aplicativos na economia brasileira - por Ayslan Guetner


Imagem de Capa

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) trouxe uma reflexão que vai além dos tradicionais indicadores de inflação e atividade econômica: a menção ao impacto dos trabalhos por aplicativo no mercado de trabalho brasileiro. O registro não é trivial. Ele revela que, para o Banco Central, o crescimento dessa forma de ocupação ajuda a explicar a queda no desemprego e precisa ser considerado no diagnóstico da economia.

De fato, a popularização de plataformas de transporte, entrega e serviços em geral abriu uma válvula de escape para milhões de brasileiros que, de outra forma, poderiam permanecer fora do mercado formal. Esses postos de trabalho, mesmo que caracterizados por menor estabilidade e renda variável, têm garantido um fluxo de recursos que amplia a massa salarial e sustenta o consumo das famílias. E consumo, por sua vez, é a engrenagem que mais influencia o ritmo da atividade e da inflação no Brasil.

No entanto, há duas faces dessa moeda. Por um lado, a existência desse tipo de ocupação reduz a taxa de desemprego e suaviza pressões sociais. Por outro, trata-se de empregos muitas vezes marcados por baixa produtividade e remuneração instável, o que limita o crescimento da renda disponível no longo prazo. Isso significa que o consumo impulsionado por esses trabalhadores tende a ser mais sensível a choques de preços e juros, já que qualquer oscilação no orçamento familiar gera impacto direto nas decisões de compra.

Do ponto de vista inflacionário, a maior inserção de trabalhadores em aplicativos contribui para sustentar a demanda em momentos em que a economia poderia estar arrefecendo. Isso pode manter a inflação em patamar mais resiliente do que o esperado, mesmo diante da desaceleração da atividade. É um fator que ajuda a explicar porque, em alguns períodos, o arrefecimento do PIB não se traduz automaticamente em quedas mais expressivas de preços.

Para o Banco Central, esse cenário impõe desafios adicionais. A política monetária precisa considerar que o desemprego baixo nem sempre reflete uma melhora robusta da renda ou da produtividade. O Copom se vê diante de uma realidade em que a taxa de desocupação perde parte de seu poder como sinalizador clássico de pressões inflacionárias. Em outras palavras, a leitura do mercado de trabalho fica mais complexa: há ocupação, mas a qualidade dessa ocupação nem sempre gera estabilidade de preços.

Portanto, a menção do Banco Central ao trabalho por aplicativo não é apenas um detalhe técnico. Ela mostra que a autoridade monetária está atenta às transformações estruturais do mercado de trabalho brasileiro. Entender como essas novas formas de ocupação impactam o consumo e a inflação será decisivo para calibrar o ritmo de cortes ou altas na taxa Selic.

No fim, o fenômeno dos aplicativos é uma amostra de como mudanças sociais e tecnológicas podem alterar profundamente a forma como se faz política econômica. Cabe ao Banco Central incorporar esses sinais de maneira realista, sem superestimar a solidez de um mercado de trabalho que, embora dinâmico, ainda convive com fragilidades que podem tanto sustentar a demanda no curto prazo quanto expor vulnerabilidades no longo.

texto de Ayslan Guetner

PUBLICIDADE

** Envie fotos, vídeos, denúncias e reclamações para a equipe Portal CATVE.com pelo WhatsApp (45) 99982-0352 ou entre em contato pelo (45) 3301-2642

Mais lidas de Política
Últimas notícias de Política