Foto: Reprodução/Procon SC
Em meio ao aumento de casos de intoxicação por metanol após o consumo de bebidas alcoólicas adulteradas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenta importar com urgência o antídoto fomepizol. O medicamento é o mais indicado para tratar as intoxicações, mas não é registrado e nem vendido no Brasil.
A medida atende a um pedido do Ministério da Saúde, que também solicitou à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a doação imediata de 100 tratamentos e pediu a compra de mil unidades para manter um estoque no Sistema Único de Saúde (SUS).
Até o último balanço divulgado nesta quinta-feira (2), o Brasil havia contabilizado 59 casos suspeitos de intoxicação por metanol, sendo 11 confirmados em laboratório e 48 em investigação. Mais um caso suspeito foi registrado na Bahia nesta sexta (3).
Para entender o que é o fomepizol e como ele age no combate à ação do metanol no organismo, o Portal iG conversou com a Dra. Mariana Valini Monteiro , médica intensivista e nutróloga do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital Regional Rota dos Bandeirantes, em São Paulo.
Intoxicação com metanol: por que é tão grave?
Antes de compreender a atuação do fomepizol, é importante entender como ocorre a intoxicação do metanol no organismo. De acordo com a Dra. Mariana, após a ingestão, a substância é metabolizada por uma enzima chamada de álcool-desidrogenase.
Após esse processo, ele é transformado em ácido fórmico. Esse composto provoca a acidose metabólica, um distúrbio que desequilibra o pH do sangue, deixando-o mais ácido, o que causa os sintomas da intoxicação.
"Após a ingestão, os pacientes inicialmente podem apresentar sinais semelhantes aos da intoxicação alcoólica comum, como dificuldade para andar, sonolência, desinibição, dor abdominal, náuseas, vômitos, cefaleia e taquicardia", explica a médica.
Segundo a Dra. Mariana, quando o sangue fica mais ácido, diversas funções do organismo são comprometidas: desde a respiração e os batimentos cardíacos até os rins e o sistema nervoso central. O quadro pode se agravar e, em alguns casos, levar à morte.
Ela acrescenta que o acúmulo de ácido fórmico também interfere na produção de energia das células. "Tecidos que demandam mais energia, como a retina, o nervo óptico e o sistema nervoso central, tornam-se especialmente vulneráveis, o que explica complicações graves, como alterações visuais e déficits neurológicos", diz.
O que é o fomezipol e como ele age no corpo?
De acordo com a Dra. Mariana, o fomepizol é o tratamento "padrão-ouro" na intoxicação por metanol por atuar como inibidor mais competitivo da enzima álcool-desidrogenase.
"Isso impede que o metanol seja convertido em seus metabólitos tóxicos - formaldeído e, principalmente, ácido fórmico - responsáveis pela acidose metabólica, pelas lesões do nervo óptico e pelos danos ao sistema nervoso central", explica a especialista.
Segundo a médica, o início da ação do fomepizol é praticamente imediato após a administração. "Após a infusão, ele é rapidamente distribuído no organismo. Quanto mais precocemente o tratamento é instituído, menor será a formação de ácido fórmico, reduzindo de forma significativa o risco de complicações graves e, sobretudo, de lesões irreversíveis", alerta.
Etanol x fomepizol
Nos hospitais onde o fomepizol ainda não está disponível, o etanol em grau farmacêutico tem sido usado como alternativa para tratamento. De acordo com Dra. Mariana, ambos atuam pelo mesmo mecanismo, ou seja, eles "competem" pela enzima que normalmente transforma o metanol em substâncias tóxicas no corpo.
Ao ocupar essa enzima primeiro, tanto o fomezipol quanto o etanol impedem que o metanol seja metabolizado e forme o ácido fórmico, que causa os sintomas de intoxicação. A grande diferença, no entanto, está no desempenho: o fomepizol tem afinidade cerca de 8.000 vezes maior por essa enzima.
"Isso o torna mais efetivo no bloqueio do metabolismo do metanol. Além disso, apresenta menor risco de efeitos adversos e um perfil de segurança mais favorável, sendo considerado uma alternativa mais segura e confiável" , explica.
Efeitos adversos
Apesar de ser considerado seguro, o fomepizol também exige atenção no uso hospitalar, diz Dra. Mariana.
"Deve ser administrado diluído e em infusão lenta, pois a aplicação rápida pode causar irritação venosa local. Em alguns pacientes, foram relatadas reações alérgicas leves, como rash cutâneo e eosinofilia. Por isso, a equipe deve estar atenta a qualquer sinal de hipersensibilidade durante a administração", afirma a médica.
Ela acrescenta que há uma restrição técnica importante, relacionada aos materiais de aplicação.
"Segundo as informações da bula, o fomepizol apresenta incompatibilidade com seringas e agulhas que contenham policarbonato em sua composição. Por esse motivo, não deve ser manipulado ou infundido utilizando materiais com esse tipo de polímero", conclui.
Portal IG
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