Na imagem, Agave tequilana, espécie utilizada no México
O agave, planta suculenta conhecida por ser a matéria-prima da tequila mexicana, vai produzir etanol no sertão brasileiro. O feito expressa uma maravilha da engenharia genética. Qualquer matéria orgânica rica em açúcares (carboidratos) produz álcool por meio da fermentação, um processo químico conduzido por microrganismos, como fungos e bactérias, em meio anaeróbico, ou seja, sem a presença de oxigênio.
Assim, os cereais se transformam em bebidas alcoólicas, como whisky ou vodca, da mesma maneira que a cana-de-açúcar se torna a cachaça e o agave (espécie Agave tequilana), a tequila. Nesses casos, o resultado da fermentação é destilado. Em outras situações, a bebida alcoólica dispensa a destilação, como é o caso do vinho e da cerveja.
No Brasil, o álcool combustível, hoje chamado de etanol, sempre foi fabricado a partir do processo de fermentação e destilação do caldo da cana-de-açúcar. Mais recentemente, o milho também começou a ser utilizado na produção de etanol. Quanto mais sacarose ou amido, mais álcool produz.
Há décadas, os pesquisadores se dedicam a elevar a eficiência do processo da fermentação. Um dos caminhos tem sido o melhoramento genético dos microrganismos que digerem carboidratos. Lograram êxito. Cepas (variedades) mais eficientes de microrganismos se tornaram requisitadas nas destilarias. Com a evolução da engenharia genética, surgiram as cepas transgênicas de bactérias, altamente produtivas, que passaram a dominar as dornas de fermentação.
Pois bem. Agora, cientistas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) desenvolveram uma cepa geneticamente modificada da levedura Saccharomyces cerevisiae. O microorganismo é capaz de digerir, com elevada eficiência, o principal açúcar presente no agave, a inulina. Ana Clara David, pesquisadora do Laboratório de Genômica e Bioenergia do Instituto de Biologia da Unicamp e responsável pela descoberta, conseguiu adicionar uma enzima encontrada em um fungo patógeno do agave na carga genética da levedura, tornando-a capaz de transformar o açúcar da planta em etanol. É incrível.
Qual a vantagem disso?
Uma das características do agave é a sua semelhança com um cacto. Além de típica das regiões secas do México, é comumente encontrada também no semiárido do Nordeste brasileiro. A tradição usa as fibras da planta (espécie Agave sisalana) para fazer aquela corda rústica, chamada de sisal.
Com as inovações, será possível projetar lavouras de agave espalhadas pelo sertão nordestino, destinadas à produção de etanol. O potencial é enorme, sendo uma cultura de fácil condução, com baixo custo e adequada à realidade de pequenos produtores rurais. Com a ajuda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na seleção das variedades mais recomendadas, o etanol de agave poderá construir uma importante bioeconomia, criando renda e empregos naquelas caatingas de Lampião onde a miséria persiste ao lado de bodes e calangos.
Sensacional. Na era do baixo carbono, as energias renováveis provenientes da biomassa representam uma ferramenta poderosa para mitigar as mudanças climáticas. Etanol, biodiesel, bioeletricidade e biometano configuram um design superior para o agro tecnológico e sustentável do Brasil. Não é de hoje que a engenharia genética investe no aprimoramento de microrganismos. As poderosas leveduras capazes de transformar o açúcar do agave em etanol se equiparam aos fermentos biológicos geneticamente modificados que, há anos, dominam a fabricação de queijos pelo mundo afora.
Depois de 50 anos de evolução científica, a transgenia mostrou suas virtudes na medicina, na alimentação e na agricultura. Se, porventura, alguém ainda teme a engenharia genética, basta saber que 100% da insulina do mundo há décadas é produzida a partir de colônias transgênicas de Escherichia coli. Antigamente, era necessário matar bois e porcos para, de suas vísceras, extrair a insulina injetada nos diabéticos. Hoje, bilhões de bactérias trabalham nos laboratórios em prol da saúde humana.
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