Papa Francisco acena para multidão na Praça de São Pedro lotada em 2013
Foto: Getty Images
Nove de março de 2013. Diante de cardeais do mundo todo, o argentino Jorge Mario Bergoglio leu um discurso de quatro minutos que o levou à chefia da Igreja Católica. O manuscrito continha críticas teológicas construtivas e traçava as características ideais de conduta do futuro pontífice.
O texto foi proclamado durante uma das congregações gerais entre os eleitores antes do conclave (processo altamente secreto para eleger o papa). Os cardeais participam desses encontros entre a morte do papa e a votação.
Durante as reuniões, são discutidos os desafios e as perspectivas para o catolicismo. Os líderes religiosos também debatem o perfil do novo papa para atender às demandas administrativas, promover a evangelização e orientar os fiéis e o clero.
Os cardeais podem ler os discursos com a finalidade de expressar a visão sobre os pontos relevantes a serem tratados pela autoridade máxima da Igreja ao decorrer do pontificado.
Estudiosos do Vaticano afirmam que o discurso do argentino impactou a decisão dos arcebispos eleitores, levando Bergoglio a se tornar o primeiro pontífice sul-americano da História. No manuscrito, sem cogitar que seria eleito, o argentino expôs as ideias que influenciaram as suas decisões durante o papado.
Ele alertou que a Igreja fechada em si, que não está disposta a ir para as periferias evangelizar, corre o grave risco de se fechar. Segundo os escritos, isso poderia afastar o clero da verdadeira missão do catolicismo, afetado por um grande mal: a humanidade espiritual - conceito da teologia católica.
Na visão de Bergoglio, havia duas imagens de igreja:
Evidentemente, ele criticava o segundo modelo.
"Pensando no próximo Papa: um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo e da adoração a Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair de si rumo às periferias existenciais, que a ajude a ser a mãe fecunda que vive da ‘doce e confortadora alegria de evangelizar’", disse o cardeal, eleito pontífice dois depois.
Nos 12 anos de papado, Francisco dedicou atenção especial aos pobres e pessoas mais vulneráveis, como os desabrigados e os refugiados. Ganhou popularidade entre católicos e não crentes ao tratar temas como justiça social, meio ambiente e questões migratórias.
O Discurso que Influenciou o Conclave de 2013
O discurso foi feito a portas fechadas e não havia sido planejado para divulgação. No entanto, o cardeal argentino entregou as anotações em espanhol ao cardeal Jaime Ortega, de Havana (Cuba).
Após a eleição de Francisco como papa, Ortega recebeu autorização do pontífice para repassar à imprensa. Leia abaixo após a imagem:
"Evangelizar implica zelo apostólico. Evangelizar pressupõe um desejo da Igreja de sair de si mesma. A Igreja é chamada a sair de si mesma e a ir às periferias, não apenas geográficas, mas também existenciais: o mistério do pecado, da dor, da injustiça, da ignorância e da indiferença à religião, das correntes intelectuais e de toda a miséria.
Quando a Igreja não sai de si mesma para evangelizar, torna-se autorreferencial e adoece. Os males que, no percurso do tempo, ocorrem nas instituições eclesiais têm raiz na autorreferencialidade e numa espécie de narcisismo teológico. No Apocalipse, Jesus diz que está à porta e bate.
Obviamente, o texto se refere à sua batida de fora para entrar, mas penso nas vezes em que Jesus bate de dentro para que o deixemos sair. A Igreja autorreferencial mantém Jesus Cristo dentro de si e não o deixa sair.
Quando a Igreja é autorreferencial, inadvertidamente, acredita ter sua própria luz; deixa de ser o mysterium lunae (latim para "mistério da lua", ou seja, que reflete a luz de Cristo da mesma forma que a lua reflete a luz do sol) e dá lugar àquele mal gravíssimo, a mundanidade espiritual (que, segundo De Lubac, é o pior mal que pode sobrevir à Igreja). Vive para dar glória apenas uns aos outros.
Simplificando, existem duas imagens da Igreja: a Igreja que evangeliza e sai de si mesma, a Dei Verbum religiose audiens et fidente proclamans (latim para "ouvir a palavra de Deus com reverência e proclamá-la com fé"); e a Igreja mundana, vivendo em si mesma, de si mesma, para si mesma. Isso deve lançar luz sobre as possíveis mudanças e reformas que devem ser feitas para a salvação das almas.
Pensando no próximo papa: Ele deve ser um homem que, a partir da contemplação e da adoração de Jesus Cristo, ajude a Igreja a ir para as periferias existenciais, que a ajude a ser a mãe fecunda, que ganha vida com "a doce e reconfortante alegria de evangelizar".
Por Samuel Rocha | Catve.com
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