Talles de Oliveira Faria, 24, trocou a tradicional beca por um vestido vermelho e salto alto, durante a colação de grau no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. O protesto, ocorrido no último sábado, 17, foi uma forma de denunciar a homofobia dentro da instituição, de acordo com o engenheiro de Computação. O ITA nega discriminação de alunos por causa de orientação sexual.
A roupa usada no ato também trazia críticas à violência psicológica, ao machismo e ao racismo. "Foi uma forma de ganhar atenção e fazer com que tanto o ITA como a Aeronáutica não só reflitam, mas tomem ações para eliminar essas estruturas", disse ao O POVO Online, por telefone.
A decisão de usar o vestido também foi motivada por retaliações que ele afirma ter sofrido depois de participar de manifestação pelo Dia Mundial do Combate à Homofobia, em maio de 2015. Na época, ele cursava carreira militar e foi ao ato vestido de drag queen, na hora do intervalo.
"Abriram uma sindicância contra mim, foram na minha página pessoal e pegaram vários posts meus para falar que àquilo não era adequado ao decoro da classe. Foi gerada uma grande quantidade de fichas que levariam à minha expulsão até do ITA, e fui obrigado a me desligar da FAB [Força Aérea Brasileira]", narra.
De acordo com ele, os Formulários de Apuração de Transgressão Disciplinar eram relacionados às publicações em seu perfil pessoal no Facebook, como a de uma bandeira do Brasil com a frase "põe a cara no sol, mona" no lugar da "ordem e progresso".
As punições, conforme ele, foram por causa da 'agressão aos símbolos religiosos e à bandeira do Brasil'. Outra ficha teria sido motivada por causa de ato em apoio à ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Apesar de ter anexado imagens de manifestações de outros estudantes em apoio ao candidato Aécio Neves (PSDB), ele alega que foi o único punido. "Falaram que não queriam a imagem da Aeronáutica associada à minha. Eu estar sendo desligado por causa da minha orientação sexual é uma coisa absurda, que agride minha individualidade e dos LGBT", afirma.
Depois de perder o salário de R$ 6 mil na FAB, ele começou a fazer estágio e planeja seguir carreira acadêmica ou então ser desenvolvedor. Agora, está em processo de mudança para a cidade de São Paulo.
Resposta
O ITA está ligado ao Comando da Aeronáutica (Comaer), que enviou nota sobre as denúncias apresentadas pelo engenheiro. Em nota, o Comaer citou que o instituto tem alunos militares e civis, 'sendo que enquanto o segundo grupo participa estritamente da formação acadêmica', o primeiro 'cumpre atividades militares e, portanto, está subordinado às regras específicas para os militares'.
O Comaer, que responde pelo ITA, também negou perseguição ou discriminação de alunos por causa de orientação sexual. Confira a nota, na íntegra:
'Em fevereiro de 2016, o ex-aluno requereu formalmente o licenciamento do serviço ativo da Aeronáutica. Dessa forma concluiu com sucesso seu curso superior como aluno civil. Ele alega ter sido pressionado a fazer tal requerimento, no entanto, esta foi uma decisão unilateral do próprio ex-militar, com a intenção de permanecer cursando o ITA uma vez que as diversas transgressões disciplinares que cometeu levariam a um comprometimento de sua avaliação como militar.
Cabe ressaltar que as transgressões cometidas pelo então aluno são passíveis de punição e se aplicariam a qualquer militar. Mais importante ainda é salientar que a abertura dos processos de apuração de transgressão disciplinar nada tem a ver com a sua orientação sexual, mas sim com a conduta e atitudes assumidas pelo Engenheiro Talles, as quais sujeitariam qualquer militar à punição.
Dentre tais transgressões estão a apresentação do uniforme em desalinho e a não utilização correta do uniforme. Cabe ressaltar que as punições para estas transgressões estão previstas nos regulamentos militares.
A conduta inadequada nas redes sociais, ocasiões nas quais desrespeitou símbolos nacionais e relacionou a Instituição a assuntos político-partidários, sexuais e religiosos, foi também objeto de apuração, no entanto, o engenheiro Talles não sofreu punição por este motivo.
Relembramos que a carreira militar é composta de prerrogativas, direitos, deveres e obrigações, desta forma, todos os militares são submetidos às regras que conduzem sua rotina e sua conduta. O engenheiro Talles de Oliveira Faria era consciente de seus deveres e também de seus direitos, no entanto, apesar de gozar de seus benefícios, não cumpriu plenamente seus deveres como militar da Força Aérea Brasileira.
Outro aspecto a ser salientado é o fato de o engenheiro Talles ter entrado com requerimento para a realização de mestrado no ITA, o que comprova que ele considera a escola um ambiente satisfatório para suas futuras atividades acadêmicas e desenvolvimento profissional.
Sobre o suposto monitoramento de mídias sociais, não há uma busca ativa pelos perfis dos alunos. Contudo, pelas próprias características dessas mídias, publicações de alta repercussão acabam se tornando de conhecimento da chefia de qualquer organização e podem ser levadas em consideração na apuração de um processo disciplinar, como acontece inclusive em organizações civis.
Por fim, diante de todas as oportunidades oferecidas ao ex-aluno, a Aeronáutica julga que disponibilizou opções para que pudesse prosseguir com seus objetivos acadêmicos dentro de uma das mais renomadas instituições de ensino do país. Esse fato pôde ser comprovado no último sábado, durante a cerimônia de formatura, ao entregar a Talles seu diploma de engenheiro da computação'.
História
Estudar no ITA era o sonho de Talles desde que era "bem novinho, quando tinha uns 13 anos" e morava em Varginha (MG), sua cidade natal. "Considerava a melhor faculdade pela estrutura, sempre me preparei para isso", afirma o engenheiro e ativista.
Antes de passar no vestibular do instituto, o engenheiro cursou a Escola Preparatória de Cadetes (EPCAR). A homossexualidade, segundo conta, foi assumida para a família e "para quem perguntasse" antes do ingresso no ITA, em 2012.
Na graduação, passou a fazer parte da Associação LGBT do ITA (Agita). "O pessoal já estava trabalhando para melhorar a cultura dos alunos, mas ainda existe bastante discurso homofóbico".
Ele tem recebido inúmeras mensagens de apoio e diz que sabe "levar na boa" os comentários odiosos na Internet. "Minha mãe ficou com medo, eu estava tranquilo. Pensei que o que fosse acontecer eu iria assumir porque era uma coisa que eu precisava fazer", disse.
Para ele, a orientação sexual não pode limitar as escolhas profissionais e acadêmicas da comunidade LGBT. "Eu acho que as pessoas não podem desistir por causa da homofobia, a batalha tem que ser para a gente ser aceito. Não podemos ser limitados pela nossa orientação e deixar de perseguir nossos sonhos".
O Povo Online