A Defensoria Pública em Foz do Iguaçu conseguiu na Justiça uma autorização para que uma jovem, de 22 anos, realizasse a interrupção da gravidez após ter sido vítima de um estupro.
Inicialmente, por medo e vergonha, ela não contou a ninguém sobre a violência sofrida. Dois meses depois, descobriu a gravidez e foi ao hospital solicitar o procedimento, que foi negado. A jovem chegou a registrar boletim de ocorrência, mesmo este sendo desnecessário em situações como a dela. Ainda assim, houve nova negativa da instituição pública para realizar o procedimento.
A jovem procurou a Defensoria Pública que agilizou a documentação do caso e acionar a Justiça. A pressa se justificava para que o procedimento fosse realizado de maneira menos invasiva e mais segura para a paciente, ele precisaria ser feito até a 12ª semana de gestação, e ela já estava na 11ª semana.
A jovem descobriu a gravidez tardiamente porque teve sangramentos e imaginou que fosse a menstruação, por isso não pensou que estivesse grávida. Foi só quando começaram os enjoos e as dores que começou a desconfiar de algo. Um exame realizado no Centro de Referência da Família confirmou a gestação.
Em razão do forte trauma, as vítimas muitas vezes acabam não contando o que houve nem mesmo para os próprios familiares. A jovem passou duas vezes por consulta em um hospital público da cidade até se sentir à vontade para relatar o abuso sofrido e expressar o desejo de interromper a gravidez. O medo também era de ter de passar por novos constrangimentos, tendo de contar a sua história dolorosa repetidas vezes em um processo de revitimização. A defensora pública Maria Fernanda Ghannage Barbosa, que atuou no caso, conta que Júlia buscou diversas instituições públicas ? de hospitais a órgãos de Justiça ? para interromper, de maneira legal, a gestação indesejada, mas acabou passando por várias situações constrangedoras.
Para Maria Fernanda, a dispensa de documentos que provem que a gravidez é resultante de violência sexual serve para proteger a mulher. "A realização do aborto nesses casos não depende de ordem judicial que decida se realmente ocorreu o estupro ou violência sexual. Também não depende de boletim de ocorrência, porque existem milhões de motivos para que a mulher não queira expor a sua história, como, por exemplo, por medo do agressor, que pode ser alguém da família. E às vezes até por vergonha. Além da violência sexual, a Júlia foi vítima também de violência institucional dos órgãos pelos quais passou", afirma a defensora pública.
Durante o atendimento inicial, na Defensoria, a jovem foi atendida pela assistente social Patrícia Vicente Dutra. Em seu relatório, ela conta que os fatos relatados pela vítima tinham consistência. "Ela se emocionou muito. Relatou que não sente qualquer afeto ou desejo pela criança que gesta, já que é fruto de uma violência brutal. Além disso, tendo em vista o descolamento da placenta, Júlia tem sentido fores dores, incômodos e mal-estar. Ela relatou ainda que, desde o ocorrido, teve muita dificuldade de se expressar, de procurar ajuda?.
Decisão
A decisão favorável da Justiça saiu quatro dias após a DPPR ter feito o pedido. Nela, a juíza reforçou a dispensa de documentos que comprovem a violência sexual, lembrando que o Direito brasileiro já prevê a interrupção da gravidez em caso de estupro. De acordo com Maria Fernanda, este caso é muito representativo da condição da mulher na sociedade brasileira.
"As pessoas ainda partem da premissa equivocada de que as mulheres que solicitam o aborto legal são mentirosas, que a vítima de violência é a culpada pela violência sofrida. Para mim, ao mesmo tempo em que esse caso, com uma decisão favorável, representou uma vitória, ele também foi a representação de toda violência a que nós, mulheres, ainda estamos submetidas dentro de uma sociedade que pretende ser livre e igualitária, mas que na verdade ainda é machista, patriarcal e opressora", conclui.
Assessoria