Política

'Europa corre risco de se tornar irrelevante no cenário econômico mundial'

Declínio enfrentado pelo continente pode o fazer perder a posição hegemônica construída ao longo dos séculos


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Mario Draghi apresentou seu relatório

A preocupação com os rumos do bloco econômico europeu parte da própria Comissão Europeia, considerada o braço direito executivo responsável por administrar a UE. Mario Draghi, que assumiu o posto de primeiro-ministro da Itália entre 2021 e 2022 e comandou o Banco Central Europeu por quase 10 anos elaborou um relatório para a Comissão com mais de 400 páginas, onde explicitou suas recomendações de como manter a Europa relevante e competitiva em um mundo cada vez mais turbulento.

O estudo revela a necessidade de a Europa colocar em prática um projeto de investimentos mais ambicioso do que foi o histórico Plano Marshall, que reergueu o continente no final da Segunda Guerra Mundial. Draghi calcula que são necessários investimentos da ordem de 800 bilhões de euros por ano para que o continente consiga manter sua economia dinâmica, e compatível com suas metas de sustentabilidade.

A Europa, que se colocou na situação de total dependência energética da Rússia, enfrenta ainda uma ascensão rápida da China e um dinamismo econômico contínuo dos Estados Unidos. A lenta agonia do declínio do continente é puxada pelos rumos políticos da Alemanha, considerada o motor industrial da União Europeia, que vem perdendo competitividade para a China e luta para se recuperar da crise provocada nos anos da pandemia.

Analisar a conjuntura econômica e política da Alemanha nesse contexto é essencial. O país sempre teve papel decisivo nos rumos da Europa. No passado, os alemães lideraram o continente diante de crises na Grécia, Portugal e Irlanda com uma agenda de austeridade econômica. Agora, o continente volta a debater quais políticas econômicas devem ser adotadas para evitar o seu declínio.

Em 2000, os 20 países que compõe a zona do euro (nações que integram a União Europeia e usam o euro como moeda) representavam quase 20% da economia mundial — e a China; menos de 4%. Em 2023, a participação da China na economia mundial saltou para 17%; e a dos países da zona do euro encolheu para menos de 15%. Ao longo deste século, a economia da zona do euro cresceu em média 1,27% ao ano — abaixo do ritmo de crescimento econômico do mundo todo, que no período foi de 2,97%. E a Europa viu outros países e regiões crescerem em um ritmo mais acelerado: 2,17% nos EUA, 8,24% na China e 2,29% no Brasil.

O grande temor entre os líderes europeus é de que toda a prosperidade conquistada ao longo de séculos está ameaçada se o dinamismo econômico não for recuperado. Em recente entrevista à BBC, o embaixador e ex-diretor dos serviços de inteligência da Espanha, Jorge Dezcallar de Mazarredo, sugeriu que se não houver reformas, em 2050, não vai haver nenhuma economia europeia entre as dez mais importantes do mundo.

De acordo com o relatório de Draghi, para evitar esse cenário, três desafios precisam ser encarados: 1) tirar o atraso em inovação tecnológica que existe em relação à EUA e China; 2) aproveitar oportunidades do processo global de descarbonização em andamento; 3) proteger as cadeias de suprimentos de dependências geopolíticas, que correm o risco de se transformar em vulnerabilidades.

A chave para isso, de acordo com Draghi, é fazer o oposto do que vem sendo feito pela Europa até agora. O relatório defende a necessidade de trocar as políticas de austeridade — que visam controlar o endividamento com rigor fiscal e monetário, e assim promover um crescimento sustentado de baixa inflação — por políticas ousadas de investimento.

Fato é que a Europa ainda é muito relevante no cenário internacional. O continente tem muitos atributos de sucesso que outras regiões do mundo não têm. E na realidade, parte do declínio é relativamente benigno. Isso simplesmente reflete o fato de que outras regiões estão indo muito bem e crescendo.

Mas não se pode negar que a Europa está nitidamente em decadência, e com a perda de sua influência também desaparecerá o altíssimo padrão de vida. Não à toa, a União Europeia está começando a levar essa situação a sério, e reconhecer que está ficando para trás de outras regiões do mundo. Para isso, talvez seja necessário que a UE encare o cenário priorizando seus próprios interesses econômicos imediatos, talvez em maior extensão do que fez no passado.

No entanto, o desafio é realmente difícil. Responder a uma situação em que outras potências ao redor do mundo não estão sendo particularmente abertas com suas políticas econômicas, enfrentar os desafios vindos da China, Rússia e EUA, exigirá dos europeus resiliência, assertividade, criatividade e ajuste cultural.


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