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Graziano diz sentir asco do debate ideológico sobre crime de Brumadinho


O agrônomo e político Xico Graziano acha "quase nojentas as interpretações políticas sobre a tragédia humana" de Brumadinho (MG). Em uma entrevista ao Jornal Estadão, ele afirma que "centenas de pessoas foram soterradas vivas na lama e assistimos a um embate deplorável entre a "esquerda" e a "direita" sobre quem devemos culpar". E desabafa: "Sinto asco dessa ideologização do problema". Para ele, os danos ecológicos provocados pelo arrombamento da represa de rejeitos minerais da Vale no Córrego do Feijão serão menores do que os produzidos há três anos em Mariana. Na edição da semana de Nêumanne Entrevista, o especialista disse que gostaria que "as investigações deixassem o lado ambiental propriamente dito e corressem sobre os engenheiros e diretores que permitiram que tais desgraças acontecessem. Não há como tergiversar: cabe à Vale, e não ao governo, a responsabilidade dessa tragédia". E acrescentou: "Eu, que mudei de turma, na política, para apoiar Bolsonaro, pois não podia raciocinar com a possibilidade da volta da quadrilha vermelha ao poder, quero ver procedimentos distintos na apuração desse desastre". Nascido em Araras (SP), Francisco Graziano Neto, mais conhecido como Xico Graziano, é engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (Esalq), mestre em Economia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Lecionou na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) e presidiu a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil. Político, ocupou vários cargos públicos, destacando-se os de secretário estadual do Meio Ambiente (2007-2010), deputado federal (1998-2006), secretário estadual de Agricultura (1996-98) e presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra, em 1995). É ainda professor de MBA da FGV/Agro. Atua como conferencista, comentarista da TV Terra Viva/TV Band, foi articulista de O Estado de S. Paulo e é consultor em organização, marketing de agronegócios e sustentabilidade, além de articulista do site Poder360. Sócio-diretor da OIA/Certificação Socioambiental, publicou dez livros sobre a questão agrária, democracia e meio ambiente, entre os quais A Questão Agrária e a Ecologia (1982), A Tragédia da Terra (1992), Qual Reforma Agrária? (1996), O Carma da Terra no Brasil (2004) e Almanaque do Campo (2010). Confira a entrevista completa: Xico - Aconteceu que foram envelhecendo e, certamente, os protocolos de engenharia que as respaldavam não foram suficientes para garantir sua estabilidade. Em minha visão, há um claro erro de engenharia nessa matéria. Nêumanne - Até que ponto a retórica de afrouxamento das fiscalizações das mineradoras poderá ter, em apenas 25 dias de governo, provocado a catástrofe da represa do Córrego do Feijão e qual o motivo que levou a soit-disant resistência de esquerda a haver apelado para esse argumento só para fragilizar politicamente os governos do presidente Jair Bolsonaro e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema? X - Julgo equivocadas, quase nojentas, essas interpretações políticas sobre essa tragédia humana; centenas de pessoas foram soterradas vivas na lama e assistimos a um embate deplorável entre a "esquerda" e a "direita" sobre quem devemos culpar. Sinto asco dessa ideologização do problema. N - De que autoridade a eterna presidenciável Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, dispõe para atacar as mineradoras e as autoridades pelo que aconteceu, sem levar em conta o fato de ela mesma ter sido, em passado muito recente, ministra do Meio Ambiente no governo de Lula, do PT. Que relação haveria entre o fato de ela ter negado licenciamento para as usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Xingó, que ela alegou para se eximir de responsabilidade nos dois casos recentes de Minas, a milhares de quilômetros de distância" X - "Nem sei o que dizer" Vi nas atitudes e declarações da Marina um oportunismo deplorável, representante da pior política, decepcionante para quem, como eu, a admirava pelo idealismo. N - Qual sua posição sobre a polêmica a respeito do decreto que Dilma Rousseff assinou em novembro de 2015 considerando rompimento de barragem "acidente natural": era mesmo necessário para liberar Fundo de Garantia para as vítimas ou terminou sendo usado pelas mineradoras como pretexto para fugir da responsabilidade criminal em caso de vazamentos? X - Acho que a equipe da Dilma agiu corretamente, naquele momento, para enquadrar o acidente e poder liberar recursos para os atingidos. Se as mineradoras utilizaram esse expediente de forma sacana, não consigo avaliar, mas não duvido. N - A deputada estadual paulista eleita Janaína Paschoal, do PSL, definiu o arrombamento da barragem na sexta-feira não como crime ecológico, como o de Mariana, em 2015, mas, sim, uma série de homicídios dolosos por omissão da parte dos responsáveis pela administração da represa. Qual a sua posição a esse respeito? X - Concordo em certo sentido. Perto da tragédia humana, o acidente ambiental de Brumadinho é pequeno. Houve uma catástrofe terrível contra a civilização humana, talvez até mesmo uma enorme falha trabalhista. N - É comum dizer que a legislação preservacionista brasileira é rigorosa, mas não é cumprida. Isso é verdadeiro? X - Em termos. Há, sim, um rigor na legislação ambiental que nem sempre se coaduna com a realidade, mas há também empresário sem-vergonha que culpa o meio ambiente para disfarçar suas atrocidades ecológicas. N - Inculpa-se muito a privatização da Vale do Rio Doce no governo Fernando Henrique Cardoso pelos recentes incidentes, argumentando que quando a empresa era estatal não aconteciam tais episódios. A que o senhor atribui isso: à ganância da empresa, que não investe o necessário em segurança, ou à incapacidade do Estado brasileiro ao não exigir que isso seja feito? E o que evitaria essas consequências funestas? X - O rabo não tem nada a ver com a calça. A privatização da Vale era necessária por outras razões, roubalheira política em geral. Em minha opinião, há um erro crasso da engenharia da mineração ocorrendo no Brasil. N - A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prometeu que o Ministério Público Federal será rigoroso na punição dos culpados pelo crime do dia 25 de janeiro último, mas se esqueceu de fazer um mea culpa sobre a inércia de seus subordinados depois da tragédia de Mariana e antes desta de Brumadinho. Afinal, isso é justo? X - Não sei dizer. Mas eu gostaria que as investigações deixassem o lado ambiental propriamente dito e corressem sobre os engenheiros e diretores que permitiram que tais desgraças acontecessem. Não há como tergiversar: cabe à Vale, e não ao governo, a responsabilidade dessa tragédia. N - O presidente Jair Bolsonaro criticou muito duramente a impunidade de três anos pós-Mariana, considerando-a responsável pela última ocorrência. Há notícia de que muitas outras represas estão em condições de insegurança similares às do Córrego do Feijão. Como ele se livrará de uma cobrança mais dura se acontecer algo semelhante com alguma delas? Que condições ele terá para impedir que a impunidade se repita, se isso depende também de Poderes que ele não preside: o Legislativo e o Judiciário? X - Boa pergunta. Eu que mudei de turma, na política, para apoiar Bolsonaro, pois não podia raciocinar com a possibilidade da volta da quadrilha vermelha ao poder, quero ver procedimentos distintos na apuração desse desastre. N - Prevê-se que em 15 de fevereiro a lama seca de Brumadinho chegará a Três Marias e, portanto, ao Rio São Francisco. Que consequências funestas serão acrescentadas ao Velho Chico, que já é tão assolado por outros incidentes que prejudicam a limpeza e a fluidez de suas águas? X - Vou escrever sobre isso: as implicações ambientais de Brumadinho, que julgo menores que a tragédia humana ocorrida. Eu não conheço as características de toxicidade da lama, mas me parecem de menor gravidade ecológica que as de Mariana. Vamos aguardar. Minha opinião é que os catastrofistas ambientais vão perder e que os danos ecológicos logo, pensando em alguns anos, serão reparados. Agora, ninguém esquecerá facilmente que centenas de pessoas ali ficaram soterradas. Acho isso muito mais doído que tudo.

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