A Prefeitura de Londrina foi à Justiça para reaver área doada à Associação Odontológica do Norte do Paraná (AONP) em 1971. No terreno, de dois mil metros quadrados, localizado na Rua Rolândia, no Jardim Dom Bosco (zona oeste), a entidade construiu sua sede e funcionou até 2011, quando vendeu o imóvel por R$ 2 milhões. Os novos proprietários são o Sindicato das Empresas de Habitação e Condomínios (Secovi) e o Secovimed, entidade que presta assistência à saúde aos funcionários de condomínios.
O juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, Marcos José Vieira, não concedeu liminar de reintegração de posse, argumentando que "a alienação do bem imóvel doado ocorreu em 26.8.2011, e somente agora, quase três anos depois, foi que o Município ajuizou esta ação...", escreveu o magistrado em decisão do último dia 21. Porém, determinou a averbação na matrícula do imóvel da existência da ação. O procurador-geral do município, Paulo Valle, disse que o município deve recorrer ao Tribunal de Justiça (TJ).
Na ação, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) sustenta que a venda foi ilegal porque a lei de doação, sancionada pelo então prefeito Dalton Paranaguá, previa a chamada cláusula de reversão, ou seja, no caso de desvio de finalidade, o imóvel volta "automaticamente ao domínio do Município". Na transação feita em 2011, a cláusula foi averbada na matrícula do imóvel, o que seria prova de que vendedor e os compradores tinham conhecimento da ilegalidade da venda.
"Áreas doadas pelo poder público não podem ser cedidas ou vendidas pelas entidades que as recebem sem anuência do município e sem que tenham o mesmo objetivo", explicou o secretário de Gestão Pública, Rogério Dias, cuja pasta detectou no ano passado a transação ilegal. Ele disse que o fato foi tardiamente apurado porque antes o foco da contabilidade pública era outro, como orçamento e despesas. "Em 2013 houve uma mudança de foco na contabilidade pública para a preservação do patrimônio. É o que temos feito." Cerca de 50 procedimentos de reversão de áreas públicas doadas a particulares tramitam na Secretaria de Gestão, como é o caso de área doada à Associação Beneficente Galvão Bueno.
A PGM também pede indenização por danos materiais, como "a posse e uso indevido e ilegal do bem a partir do desvio da finalidade (transferência da propriedade)" e por danos morais "em razão do descrédito à Administração Pública proporcionado pela conduta dos réus, bem como pelo dano social pela alienação e apossamento indevidos em desvio de finalidade de bem público".
OUTRO LADO
A presidente da AONP, Alice Tayoko Ogawa, disse que apenas ontem soube da ação e que desconhece qualquer ilegalidade na venda, aprovada em assembleia de dentistas. "Fui informada, na época, de que tudo estava certo. Que a lei permitia", comentou. Segundo ela, a associação decidiu vender a sede porque tinha dívidas trabalhistas. "A sede podia ir a leilão." Ainda de acordo com Alice, com o dinheiro da venda as dívidas foram pagas e uma nova sede, bem menor, no Edifício Palácio do Comércio (centro), foi adquirida.
A então presidente do Secovi, Liliana Ribas Tavarnaro, informou por meio de sua secretária que ainda não conhecia o processo e não poderia se manifestar e o então presidente do Secovimed, Márcio Strini, não deu retorno ao pedido de entrevista.
Já o atual vice-presidente do Secovi em Londrina, Nestor Dias Correia, afirmou à FOLHA não acreditar que haja irregularidades. Segundo ele, o assunto já foi discutido judicialmente quando o cartório "teve dúvidas" acerca da legalidade de registrar imóvel com ônus. "Isso já foi resolvido. Não houve ilegalidade", acrescentando que no local, que está em reforma, funcionará um ambulatório para os funcionários dos condomínios. "É uma ação social do Secovi, um serviço tão importante quanto o prestado pela Associação Odontológica. Não houve desvio de finalidade."
Em 2007, o Secovimed ganhou terreno da prefeitura para construir uma sede, mas, como o terreno não foi utilizado no prazo legal, o município reverteu a doação em 2011, e doou a mesma área à Associação dos Moradores do Jardim Maringá (Assomar).
Folha Web