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A história dos mártires esquecidos: padre e coroinha fuzilados há um século no interior do RS

Padre e coroinha mortos em 1924 viram símbolos de fé e resistência no interior do Rio Grande do Sul


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 Em 21 de maio de 1924, um padre e um adolescente foram executados a tiros em uma emboscada no interior de Três Passos, no noroeste do Rio Grande do Sul. Passados 100 anos, a história de Manuel Gómez González e Adílio Daronch ainda ressoa como um dos episódios mais brutais ligados à polarização política e à violência rural do início do século 20 no estado.

Padre González, espanhol radicado no Brasil, e seu auxiliar Adílio, um coroinha de 15 anos, foram mortos durante uma viagem pastoral. Os dois estavam a caminho de comunidades isoladas quando foram interceptados por homens armados, supostamente ligados à repressão dos chimangos — facção política que rivalizava com os maragatos durante a Revolução de 1923.

Testemunhos históricos indicam que os dois foram amarrados a árvores, torturados e fuzilados na localidade de Feijão Miúdo, atual distrito de Padre Gonzáles. O sacerdote teria sido perseguido por celebrar o sepultamento de simpatizantes maragatos, atitude vista como provocação política pelos adversários.

Apesar do silêncio das autoridades à época, a história sobreviveu nos relatos locais e, décadas depois, ganhou reconhecimento oficial: em 2007, o Vaticano beatificou os dois como mártires da fé. O processo de canonização — que exige a comprovação de milagres — ainda está em curso.

De tragédia política à devoção popular

Adílio nasceu em 1908 em Dona Francisca, pequena cidade da Quarta Colônia, onde atualmente é considerado um símbolo local. A Igreja São José, onde o menino foi batizado, promove todos os meses uma missa em sua memória. Fiéis participam de romarias, tocam relíquias dos mortos — como fragmentos de ossos e da árvore em que teriam sido amarrados — e relatam graças atribuídas à intercessão dos chamados "Beatos da Fé".

A memória dos dois também é reverenciada em Nonoai, onde o padre foi pároco, e em Três Passos, onde foram mortos. Uma capela está sendo construída em Dona Francisca com apoio da comunidade local e recursos arrecadados entre fiéis, como parte de um projeto que pretende transformar o local em destino de turismo religioso.

Milagres sob investigação

Entre os casos documentados no processo de canonização, está o do agricultor José Esperdião, 52 anos, que afirma ter sido curado de leucemia após orações aos beatos. Já o servidor público José Chelloti atribui a sobrevivência de um parto complicado, ainda bebê, à fé da mãe nos mártires.

Esses relatos, embora não confirmados oficialmente pelo Vaticano, são colhidos como testemunhos formais no processo de canonização, que segue em análise.

Contexto histórico violento

A morte do padre e do coroinha ocorreu em um período de intensa instabilidade no Rio Grande do Sul. A Revolução de 1923, travada entre chimangos (governistas) e maragatos (opositores), deixou rastros de violência por todo o Estado, especialmente nas regiões de fronteira.

Padre González atuava em uma região conflagrada e não evitava os conflitos: insistia em mediar a paz entre os lados e fazia sepultamentos sem distinção de lado político, o que o tornou alvo de represália.

Cultura, memória e resistência

A história dos dois religiosos também virou peça de teatro, encenada em frente à Igreja Matriz de Dona Francisca, com participação de dezenas de moradores. A obra reconstitui a trajetória de fé e resistência que antecedeu a morte dos dois, reforçando o impacto cultural que a história carrega para a comunidade.

Antonio Mendonça/ Catve.com

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