Imagem: Arnaldo Neto/AEN
Uma auditoria conduzida pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) identificou que 616 das 1.860 entidades sociais participantes do Nota Paraná - cerca de um terço do total - cometeram algum tipo de irregularidade ao longo dos últimos anos. Os números foram apresentados em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (9), na qual a Sefa também informou o bloqueio do acesso a recursos oriundos de doações de notas fiscais por essas instituições.
Algumas das irregularidades são simples, como a falta de documentos ou de informações por algumas organizações, e podem ser facilmente corrigidas, com posterior desbloqueio dos recursos. Outras, no entanto, envolvem questões mais graves, incluindo violações às regras do programa, incongruências na prestação de contas e até tentativas de fraude.
Segundo o secretário estadual da Fazenda, Norberto Ortigara, a fiscalização em torno das organizações sempre existiu, mas o aumento na quantidade de denúncias exigiu um pente-fino mais intenso. "Como resultado, fizemos várias notificações a entidades e estabelecimentos comerciais, além do encaminhamento dos casos mais graves ao Ministério Público do Paraná (MPPR)", afirmou.
Além do combate às fraudes, a medida do Governo do Estado visa o fortalecimento do programa nos próximos anos. A ideia é garantir que os recursos das notas fiscais doadas pelos consumidores paranaenses sejam destinados apenas a organizações sérias e comprometidas com as causas sociais para as quais foram criadas.
DOAÇÕES IRREGULARES E DENÚNCIAS - A distribuição dos créditos é feita a partir da doação de notas fiscais por parte dos consumidores. Quando um paranaense faz uma compra e decide não colocar seu CPF, ele pode depositar o documento fiscal em urnas que são direcionadas a entidades sociais específicas. Pelo regulamento do programa, a doação deve ser espontânea e as urnas precisam ser identificadas com o selo do Nota Paraná e informações sobre o grupo que receberá a doação.
Ao longo de uma década, mais de R$ 468,5 milhões foram repassados a essas instituições, entre prêmios e créditos de ICMS, beneficiando organizações que atuam nas áreas de assistência social, saúde, cultura, defesa animal e esportes. Apenas em 2024, o valor distribuído ultrapassou R$ 63,1 milhões.
Contudo, pessoas que coordenam parte destas organizações viram na parceria com o poder público uma oportunidade de ampliar ganhos de forma ilícita - algo que, em muitos casos, implica em prejudicar outras entidades.
Para a coordenadora do Nota Paraná, Marta Gambini, tentativas de fraude prejudicam a relação de confiança que o programa construiu ao longo de toda uma década com entidades de todo o Estado. "É um duplo golpe na confiança dos paranaenses: além de se apropriarem indevidamente de recursos públicos, essas entidades usam causas nobres para ganhos próprios", comentou.
Como explica Gambini, uma das irregularidades mais comuns identificadas pelo programa está relacionada ao recebimento e ao tratamento das notas fiscais doadas a esses grupos, inclusive com roubo de urnas e comprovantes.
"Recebemos quase diariamente diversas denúncias de entidades que vão a um estabelecimento comercial e levam todas as notas fiscais embora, inclusive aquelas que eram de outras instituições", contou. "Em alguns casos, essas pessoas chegam a se passar pela equipe do Nota Paraná para cometer o furto", acrescentou a coordenadora do programa.
Um dos casos que mais chamou a atenção da equipe do Nota Paraná é de uma organização de defesa animal de Londrina, na região Norte, que recebeu mais de R$ 460 mil do programa mesmo depois de já ter encerrado as suas atividades. De acordo com uma denúncia apresentada ao MPPR, a associação declarou ter feito a baixa do CNPJ em dezembro de 2024, mas reativou o cadastro em janeiro de 2025 para fazer o resgate dos créditos.
Outra infração comum identificada pela equipe do programa é o uso de planilhas com informações de notas fiscais que são indevidamente cadastradas pelas entidades. São dados enviados por contadores a partir de notas fiscais emitidas por estabelecimentos comerciais e que são enviadas por e-mail para as organizações, que cadastram essas informações como se elas tivessem sido doadas pelo consumidor.
Isso faz com que determinadas organizações tenham um número exageradamente maior de ‘doações’, o que resulta em uma devolução maior de créditos de ICMS. "Em um dos casos identificados, uma única instituição cadastrou 745 mil notas fiscais em apenas dois meses", relatou o secretário da Fazenda.
Essa é uma prática proibida pelas regras do Nota Paraná por retirar do consumidor o poder de escolher para quem ele deseja destinar a doação e que prejudica instituições menores. Com essa doação forjada, algumas instituições ganham muito, enquanto outras ficam praticamente sem receber recursos oriundos do programa.
Outro dos casos apresentados tratou justamente de uma entidade que foi criada por donos de uma grande rede de postos de combustíveis do Estado, em que o contador do estabelecimento encaminhava todas as notas como doação para uma única instituição - um esquema que rendeu quase R$ 1,5 milhão em créditos do ICMS para o grupo.
De maneira semelhante, há entidades que usam os recursos do próprio programa para contratar empresas que vão fazer o recolhimento e cadastro das notas. Além de ser uma prática proibida, ela abre margem para um abuso do poder econômico em que as instituições maiores atuam para tirar doações que poderiam ir para outras organizações sem as mesmas condições financeiras.
Há ainda relatos da prática de suborno a lojista por meio de presentes para garantir o repasse das notas fiscais. Uma entidade cultural de Toledo, na região Oeste, foi bloqueada após a equipe do Nota Paraná identificar a compra de mais de R$ 8 mil em chocolates finos que, de acordo com denúncias, teriam sido usados para presentear comerciantes parceiros. A instituição também fornecia bobinas térmicas para a impressão das notas, o que também é proibido pelo programa.
"Há toda uma indústria de desvio de notas fiscais que beneficia apenas algumas entidades, prejudicando centenas de outras menores", denunciou Marta Gambini. "É uma verdadeira máfia das notas fiscais que tentamos combater".
com assessoria
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