Cotidiano

Os autódromos e seus nomes - Por Luc Monteiro

-


Imagem de Capa

Detalhe que passa um tanto despercebido por quem acompanha corridas de carros e motos, uma coisa que sempre me chama bastante atenção é o nome de cada autódromo. Refiro-me aos do Brasil, já que fronteira afora devo saber os nomes de não mais que meia dúzia. Hoje são 14 os autódromos homologados no Brasil e que recebem etapas oficiais dos campeonatos do país. Pode-se dizer que são 15, se considerado o circuito do Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo. Corri no ECPA duas vezes no ano passado e digo que, apesar da infraestrutura modesta, não haveria qualquer problema em termos por lá corridas de mais campeonatos além da boa Copa ECPA de Automobilismo, que alterna provas curtas e longas. É a pista mais divertida das seis onde já participei de corridas. A extensão de 2.100 metros, no que diz respeito à inserção nos calendários, não serve como critério, posto que o circuito gaúcho do Velopark, onde já correram todas as principais séries do nosso automobilismo, tem 2.278 metros. Bem, era dos nomes dos autódromos que eu falava. Com a licença dos amigos de Piracicaba, atenho-me aos 14 que figuram nos calendários das competições. Maioria dessas pistas reverenciam, em seus pórticos de entrada, personalidades ligadas ao esporte. São duas, por exemplo, as pistas batizadas como Autódromo Internacional Ayrton Senna: a de Londrina e a de Caruaru, inauguradas quando o piloto de Fórmula 1 era vivo, ambas em 1992 ? em agosto e em dezembro, respectivamente. Há quem atribua o nome de Senna, também, ao Autódromo de Goiânia, o que configura uma inverdade. Quem me explicou o caso detalhadamente durante jantar não tão recente foi Ney Lins, presidente da federação de automobilismo de lá. Houve uma proposição oficial no Legislativo goiano para que o nome fosse adotado, mas a idéia nunca saiu do papel. É Autódromo de Goiânia, e ponto final. Senna, o piloto, jamais esteve lá, embora tenha sido campeão em um Brasileiro de Kart disputado na cidade. Ele também jamais esteve em Londrina ou Caruaru, o que me parece acabar com o sentido de seu nome estar estampado sobre seus portões. É panorama oposto à aplicação do nome de Nelson Piquet aos autódromos internacionais do Rio de Janeiro e de Brasília. Piquet, ao contrário de Senna, fez carreira no automobilismo brasileiro, disputou e venceu muitas corridas nas duas pistas. Jacarepaguá tornou-se Autódromo Internacional Nelson Piquet por iniciativa do extinto "Jornal dos Sports" em 1988, 11 anos após sua inauguração e 24 anos antes de sua demolição completa por razões que ainda despertam debates acalorados entre a comunidade automobilística. Em Brasília, o autódromo foi inaugurado em 1974 e era batizado como Presidente Médici, questionável reverência ao general de então. O nome do tricampeão de Fórmula 1 lhe foi dado também em 1988. O autódromo chegou a integrar o Complexo Esportivo Ayrton Senna, o que não deixa de ser irônico dada a rivalidade entre os dois pilotos da F-1, refletida até entre os torcedores de um e de outro. A obra de anos atrás para que Brasília recebesse a etapa da Fórmula Indy acabou interrompida por motivos que nunca vamos conhecer de fato. Boxes demolidos, traçado em partes recapeado, em partes não. Estão tudo lá, jogado às moscas, sob a observação atenta do bilionário e esquecido Estádio Mané Garrincha. Brasília, como autódromo, não existe mais, motivo pelo qual não entra na minha contagem dos 14. Há casos em que os nomes dados aos autódromos preservam a própria história do lugar. Em Cascavel, por exemplo, a reforma inaugurada em 2012 trouxe também o batismo por decreto municipal com o nome de Zilmar Beux, que foi, em fins dos anos 60, o principal responsável pelo advento da pista, numa época em que as corridas aconteciam num circuito improvisado nas ruas da cidade ? reza a lenda, que é verdadeira, que Beux, durante a construção do autódromo, permaneceu no local por mais de dois meses, sem pôr os pés portão afora. Exagero, claro. Saía vez ou outra para pegar roupas limpas em casa. Beux morreu em 2005, aos 75 anos. O autódromo de Fortaleza, localizado na verdade na cidade vizinha de Eusébio, leva o nome de Virgílio Távora, político cearense que exerceu mandatos como ministro, senador e deputado federal, cargo que ocupava quando o local foi inaugurado, em janeiro de 1969. Távora morreu em 1988, aos 68 anos, vitimado pelo câncer. Guaporé configura outro caso de reverência à história local. O autódromo de lá, que para mim é o mais agradável do Brasil ? definição estranha para se dar a uma pista de corridas... ? leva o nome do doutor Nelson Luiz Barro. Tive a satisfação de conhecê-lo em 2013, quando, de saúde já bastante debilitada, foi levado pelos filhos para ver a quantas andavam as obras de reforma do lugar. Cardiologista de formação e piloto de corridas por compreensível diversão, doutor Nelson foi um dos fundadores da Associação Guaporense de Automobilismo, criada no fim da década de 60 com o intuito claro da construção do autódromo. Que acabou inaugurado com a pista asfaltada em 1976, quando a cidade tinha-o como prefeito pela primeira vez. Doutor Nelson morreu em março do ano passado, aos 79 anos. José Carlos Pace, morto em 1977 num acidente aéreo no interior paulista, batiza Interlagos, o principal autódromo do país, homenagem justa por sua histórica vitória no GP do Brasil de F-1 de 1975. Emerson Fittipaldi, reconhecido como pioneiro da projeção internacional que o automobilismo do Brasil alcançou, não dá nome a nenhum autódromo, embora também tenha feito carreira no país antes de conquistar a Europa. Seu nome foi dado, nos anos 90, ao circuito oval construído dentro do autódromo do Rio, onde aconteceram cinco corridas da Cart, ou Fórmula Mundial, como a conhecíamos por aqui. O oval foi inutilizado na metade da década seguinte, na primeira etapa da mutilação do circuito para as obras das sedes dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Há três casos em que os autódromos, embora batizados oficialmente com os nomes das cidades onde foram construídos, prestam reverências a personalidades do esporte com o batismo dos circuitos, tal qual ocorreu com Fittipaldi no oval carioca. O Autódromo Internacional de Curitiba, localizado em Pinhais, contempla o Circuito Raul Boesel, primeiro piloto de corridas curitibano a conseguir projeção mundial. No Autódromo Internacional de Campo Grande percebe-se a ocorrência do Circuito Orlando Moura, entusiasta que teve forte atuação no processo que levou à construção do autódromo inaugurado em 2001. No Autódromo Internacional de Santa Cruz do Sul existe o Circuito Oswaldinho de Oliveira, reverência a um dos pilotos de maior destaque do automobilismo gaúcho nos anos 50 do século passado, vencedor de inúmeras das provas importantes da época ? a Carretera número 18, seu carro mais famoso, está exposta no Museu do Automobilismo Brasileiro, mantido por Paulo Trevisan em Passo Fundo. Em Caruaru, um dos três autódromos ?sennistas?, a pista de corridas foi batizada com outro nome. Lá existe o Circuito Aurélio Batista Félix, homenagem prestada pelos dirigentes pernambucanos ao criador da Fórmula Truck, que ainda em 1997 incluiu o autódromo no calendário da categoria e desde então, mantendo uma das características de sua linha de trabalho ? a de promover, por conta própria, obras de melhorias dos autódromos para onde levava seu evento, que deixou de existir no ano passado por conta de questões comerciais e financeiras. Outra reverência a Aurélio Félix ganha destaque no autódromo de Santa Cruz do Sul, que deu seu nome à torre de controle do autódromo através de lei ordinária municipal assinada em novembro de 2009, quase dois anos após sua morte. Outros quatro autódromos não levam nome de ninguém em âmbito algum. Dois deles estão no Rio Grande do Sul, onde o que não faltam à história automobilística são ídolos dignos da homenagem: Autódromo Internacional de Tarumã, em Viamão, e Autódromo Internacional Velopark, em Nova Santa Rita. A outra ocorrência está no Autódromo Velo Città, em Mogi Guaçu, inaugurado em 2012. O mais novo dos autódromos brasileiros é outro que não leva nome de humano ilustre algum. Inaugurado em 2015, o autódromo de Curvelo foi batizado Circuito dos Cristais. E olha que o que não faltam em Minas Gerais são ídolos no automobilismo.

Luc Monteiro

PUBLICIDADE

** Envie fotos, vídeos, denúncias e reclamações para a equipe Portal CATVE.com pelo WhatsApp (45) 99982-0352 ou entre em contato pelo (45) 3301-2642

Mais lidas de Cotidiano
Últimas notícias de Cotidiano