Os 10 piores vícios da venal democracia brasileira

Artigo do jurista Luiz Flávio Gomes


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Você tem ideia de quanto é explosiva a relação espúria entre o dinheiro e o poder? Você saberia relacionar os grandes vícios das democracias contemporâneas (chamadas de post-democracias)? Sabe a distinção entre plutocracia e oligarquia? Vamos juntos direcionar nossa lupa para dez vícios (cinco originários e cinco derivados, ou seja, cinco pares): 1º) plutocracia/desigualdade; 2º) oligarquia/capitalismo de compadrio; 3º) cleptocracia/corrupção; 4º) oclocracia/fascismo e 5º) populismo/direito penal do inimigo. Em todas essas situações vemos a democracia se transformar em uma máscara, frequentemente venal. Também no Brasil estão usando a democracia para concentrar poderes, roubar e oprimir a população. Ela passou a ser o verniz de que muitos necessitam para exercer o poder em função dos seus próprios interesses. Rousseau (que defendeu que a lei é a projeção dos interesses gerais) está morto! O primeiro grande vício é o da plutocracia. A plutocracia (do grego ploutos: riqueza; kratos: poder - cf. a Wikipedia) é o sistema político no qual o poder é exercido pelos grupos mais ricos (em benefício deles). O conceito de plutocracia vincula duas coisas distintas: a riqueza a influência no poder (ou seja: liga o dinheiro com o poder). Nem todo rico faz parte da plutocracia. Ser rico é uma coisa e ser plutocrata é outra. O plutocrata liga o dinheiro com o poder (financiando campanhas eleitorais para, dessa forma, fazer do seu dinheiro mais dinheiro, ora lícito, ora ilícito). Do ponto de vista social, a concentração do poder e do capital nas mãos dos mais ricos é acompanhada de uma enorme desigualdade assim como de uma pequena mobilidade (da população majoritária). Quando falamos em desigualdade não estamos nos referindo apenas às disparidades de renda, de salário e de patrimônio: as diferenças (porque as pessoas não são colocadas em pé de igualdade) abrangem também o capital relacional, linguístico, psicológico, emocional, cognitivo, educacional etc. Dentro do grupo dos plutocratas (os mais ricos) formam-se as oligarquias. Oligarquia ("oligarkhía", literalmente, "governo de poucos" - cf. Wikipedia) é a forma de governo (para atender os interesses próprios) em que o poder político (mancomunado com o poder econômico-financeiro) está concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou grupo econômico ou corporação. As oligarquias, depois da consolidação das democracias "venais", não as substituem, usam-nas (para atender os seus interesses). Compram os políticos que compram grande parte dos eleitores. Mirando os financiadores das campanhas eleitorais dos políticos brasileiros (de praticamente todos os partidos) se vê facilmente como se organizam os grupos mais ricos, chegando a formar suas bancadas: da Bola, da Bala, das Betoneiras - construtoras -, das Bebidas, da Bíblia, do Boi, do Bife - JBS -, das Mineradoras etc. Muitas vezes as oligarquias locais são "subdominantes", quando estão subordinadas a oligarquias imperiais (mundiais ou globalizadas). Umas oligarquias são mais atuantes no governo "x" (de esquerda, por exemplo), enquanto outras são mais fortes no governo "y" (de centro ou de direita). Elas se entendem e se perpetuam. São autorreferenciais. Respeitam, de certo modo (acordo de "cavalheiros"), a vez de cada uma, desde que a ideologia do dinheiro que gera poder e do poder que gera dinheiro seja sempre fortalecida. Atuam, portanto, diacronicamente (de forma contínua e com ânimo de perpetuidade) e sincronicamente (elas se entendem nas suas combinações diárias). Quando chega o momento de apogeu de um determinado grupo, ele divide grande parte do bolo do orçamento público (sem atenção para os interesses gerais), sobretudo por meio da formação de carteis. O vício mais deletério provocado pelas oligarquias é o da dissipação da sadia concorrência que caracteriza o capitalismo avançado. Nos países de capitalismo selvagem ou atrasado a competição (em vários setores) não existe: fala-se aqui em capitalismo de compadrio. O quinto vício da democracia vai na veia da venalidade: é a cleptocracia. As oligarquias dividem os mercados, monopolizam alguns setores, ganham isenções fiscais, empréstimos favorecidos etc. O dinheiro alimenta o poder e o poder engendra mais dinheiro. Em lugares ou momentos de mais "liberdade" (ausência do império da lei), as oligarquias se concedem "licenças" para também roubar, ou seja, para acumular riqueza ilicitamente por intermédio da corrupção, que, em sentido lato, significa licitações fraudadas, formação de cartéis, sonegação de impostos, evasão de divisas, falsidades, crime organizado, lavagem de dinheiro, "caixa 2 eleitoral" etc. Quando o dinheiro e o poder se unem para promover roubalheiras (leia-se: a corrupção), estamos diante de uma cleptocracia, que é o Estado governado por ladrões integrantes das bandas podres dos poderes econômico, financeiro, político, governamental, administrativo e social. Ela não designa, portanto, qualquer tipo de ladroagem, sim, a que acontece contra o patrimônio público, destacando-se a que enriquece ilicitamente os que contam com poder de influência sobre a divisão do orçamento público (empreiteiros, banqueiros, poderosos empresários, marqueteiros, políticos, altos funcionários públicos, operadores financistas etc.). Saiba mais A oclocracia retrata a situação crítica (como a experimentada pelo Brasil neste momento) em que vivem as instituições, ao sabor da irracionalidade das multidões (que postulam inconstitucionalmente o tempo todo, por exemplo, o fim da democracia, o retorno da ditadura, a pena de morte, a prisão perpétua, castigos talionais etc.). Nos críticos momentos em que os governos se enfraquecem, passam a se subordinar ao jugo imposto pelas multidões (juntamente com a mídia), que oprimem o poder legítimo e confrontam a lei, fazendo valer seus interesses acima de quaisquer determinações do Estado de Direito. Na oclocracia instala-se o abuso, quando a multidão se torna senhora dos negócios públicos. A oclocracia é muito forte onde os políticos se curvam (alguns de joelhos) aos seus anseios irracionais (a votação, sob o império da vontade das massas, na mesma legislatura, de um projeto rejeitado pelo próprio Parlamento constituiria uma das formas inequívocas de oclocracia). Um dos mais sérios riscos decorrentes da oclocracia (governo das multidões irracionais) reside na intolerância, de que são exemplos o fascismo, os fundamentalismos, os extremismos (incluindo os linchamentos, particularmente o moral). Algo precisa ser feito com urgência. "O bacilo fascista estará sempre presente no corpo da democracia de massas" (Riemen, O eterno retorno do fascismo: 13). Nossa democracia é, hoje, nitidamente, uma democracia de massas rebeladas (Ortega y Gasset, La rebelion de las masas: 119 e ss.). Diga-se a mesma coisa sobre nossa sociedade, que já apresenta sinais inequívocos do bacilo fascista que, como se sabe, desemboca sempre no despotismo e na violência (Riemen). Não podemos praticar a política da avestruz (e não querer ver a realidade). Hegel, a rigor (como sublinha o filósofo, em La rebelión de las masas: 2013, p. 120), foi o primeiro a dizer apocaliticamente: "As massas avançam". "Sem um novo poder espiritual, nossa época, que é revolucionária, produzirá uma catástrofe" (Augusto Comte). "Vejo subir a preamar do niilismo" (afirmou Nietzsche). O populismo (9º vício grave da democracia venal aqui enfocada) constitui a forma de governo que estabelece uma relação direta entre o povo (as massas) e o líder carismático (como um caudilho, por exemplo, tal como foram várias lideranças políticas no princípio do século XX ou como foi Perón, na Argentina, no meio do século XX). O líder obtém o apoio popular sem a intermediação de partidos políticos ou entidades de classe. É também dentro das democracias venais que viceja o populismo, que nada mais é que uma "democracia de opinião". No oclocracia as multidões são "ativas" (procuram agitar o governo, procuram conduzir). No populismo as massas são "passivas" (são manipuladas de acordo com interesses dos que governam, contando com o apoio da mídia, ainda que setorial). O povo, como abstração, ?é colocado no centro da ação política, independentemente dos canais próprios da democracia representativa" (Wikipedia). No campo político, o populismo está identificado com a América Latina, "principalmente a partir de 1930, estando associado à industrialização, à urbanização e à dissolução das estruturas políticas oligárquicas, que concentravam firmemente o poder político na mão de aristocracias rurais. Daí estar a gênese do populismo, no Brasil, ligada à Revolução de 1930, que derrubou a República Velha oligárquica, colocando no poder Getúlio Vargas, que viria a ser a figura central da política brasileira até seu suicídio, em 1954? (Wikipedia). O populismo é exercido, dentro das democracias, por políticos ou governantes demagogos e aduladores do povo, que tudo fazem para atender a vontade popular, ainda que de forma absolutamente inconstitucional. No campo criminal (promover medidas e reformas penais inócuas de acordo com as demandas punitivas da população e da mídia) o fenômeno do populismo já acontece no Brasil desde os anos 40 (veja nosso livro Populismo penal midiático: 2013). A derivação antidemocrática (e irracional) do populismo no campo penal reside no chamado direito penal do inimigo, que divide os criminosos (tal como faz G. Jakobs) em cidadãos (direito penal dos cidadãos, que respeita os direitos e garantias fundamentais) e inimigos (direito penal do inimigo, sendo este tratado como não-pessoa, portanto, sem a observância dos direitos e garantias fundamentais). Eis a nossa seleção sobre os 10 piores vícios das democracias venais (incluindo a brasileira), que são plutocratas e desiguais (1º par), oligarcas e cartelizadas (capitalismo de compadrio) (2º par), cleptocratas e corruptas (3º par), oclocratas e fundamentalistas (intolerantes) (4º par), populistas e adeptas do direito penal do inimigo (5º par).

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