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Na primeira volta de Hamilton, a síntese de como é um campeão


Bastaria a primeira volta de Lewis Hamilton no GP dos Estados Unidos para justificar seu sexto título de campeão mundial de Fórmula 1. Quinto colocado no grid depois de uma atuação absolutamente abaixo de seu padrão habitual na prova de classificação, ele se colocou ao lado de Charles Leclerc na curva 2 e o impediu de sair do vácuo de Sebastian Vettel para tomar sua posição na freada, tomando-lhe assim o quarto lugar. Encaixado na traseira da Ferrari de Vettel, ele o seguiu pela velocíssima sequência de curvas em S até a penúltima delas, a curva Oito, onde passou o tetracampeão alemão por fora. Ali se esgotava qualquer dúvida quanto à sua determinação de chegar ao hexa com uma vitória. Uma vitória que acabou não acontecendo, mas nem por isso diminuiu os méritos de sua conquista. Aos 34 anos, cumprindo sua 13ª temporada na Fórmula 1, o Hamilton de hoje mostra a cada aparição toda sua excepcionalidade. Dono de forma física invejável, ele sempre se recicla para continuar no topo. Seus números já ameaçam a supremacia construída por outro grande, o heptacampeão Michael Schumacher, e é bastante possível que, no próximo ano, o inglês iguale seus sete títulos e supere suas 91 vitórias. Mas em termos percentuais, Hamilton já se coloca à frente de Schumacher e de Ayrton Senna, dois dos quatro maiores nomes da história septuagenária da Fórmula 1. Suas 83 vitórias em um total de 248 corridas significam que ele venceu 33,47 por cento das vezes em que largou na F1. O percentual de Schumacher é 29,74 e o de Senna, com 41 vitórias em 161 largadas, é 25,47. À frente deles estão o argentino Juan Manuel Fangio, que foi pentacampeão nos anos 50 e venceu 24 das 51 corridas que disputou, atingindo o imbatível percentual de 47,06, e o escocês Jim Clark, que foi campeão em 1963 e 1965 vencendo 25 de suas 72 corridas, o que lhe dá um percentual de 34,72. Para colocar em perspectiva a correlação de Hamilton com sua geração, o percentual do tetracampeão Sebastian Vettel, que tem 53 vitórias em 238 largadas, fica em 22,27. Não que isso signifique que Hamilton, como piloto, seja superior ao que foram Senna e Schumacher ou inferior a Clark e Fangio ? afinal, números não contam histórias. Eles representam, cada um, épocas muito diferentes, em que o número de quebras era infinitamente superior, prejudicando definitivamente a comparação. Nem mesmo se pode dizer que um foi mais eficiente que o outro, já que as quebras e desistências raramente se deveram a falhas dos pilotos. Eu, pessoalmente, só vejo Fangio como um possível adversário de Senna quando penso no melhor piloto de todos os tempos ? mas não hesito em colocar Hamilton pelo menos ao lado de Clark neste panteão automobilístico. Ainda assim, com a ressalva de que ele, Lewis Hamilton, ainda está escrevendo sua história. E apesar da primeira volta dele no difícil Circuito das Américas me trouxe a sensação de estar assistindo a um momento expressivíssimo desta história, ela nem de longe se compara à primeira volta de Senna em Donington Park nos idos de 1993, quando ele passou de quarto para primeiro na pista molhada, ultrapassando em sequência o Benetton de Schumacher e os infinitamente superiores Williams-Renault de Damon Hill e Alain Prost. Aquela foi a abertura de uma das maiores, se não a maior, demonstrações do que significa ser um campeão mundial de Fórmula 1. Após a primeira volta, este Grande Prêmio dos Estados Unidos se desenrolou morosamente, no padrão de monotonia moldado por Bernie Ecclestone na sua sanha de transformar uma competição altamente emocionante em um rentável (mas monótono) desfile veloz, à espera do melhor momento de trocar pneus. Salvaram-se as voltas finais, com a perseguição de um Valtteri Bottas a um Hamilton tenaz, mas vitimado pelo desgaste dos pneus. E também pela combatividade dos pilotos do segundo pelotão, a chamada Fórmula 1 B. Também não ajudou o desempenho da Ferrari. Um vazamento de óleo na primeira volta do treino da manhã do sábado deu fim às possibilidades de Charles Leclerc. Por falta de um motor reserva atualizado, ele teve de utilizar um da geração anterior, já com alguma quilometragem. A deficiência de potência se fazia sentir principalmente na reta dos boxes, que apresenta entre o início e o fim uma diferença de altitude de 30 metros. A isso se somou a perda de toda a terceira sessão, que o relegou a um discreto quarto lugar na prova de classificação. Terminou a corrida na mesma posição, a mais de 50 segundos do vencedor. Já Vettel obteve um excelente segundo lugar na prova de classificação, o que afasta a hipótese do desempenho dos carros de Maranello ter sido afetado negativamente pela proibição baixada na manhã de sábado vetando a todas equipes a manipulação dos medidores de fluxo de combustível. Já nos primeiros metros, o carro de Vettel se comportava de forma estranha, saindo exageradamente de frente. Eram os primeiros sinais da ruptura da suspensão traseira direita que viria definitivamente na sétima volta, quando ele já havia caído para o quinto lugar. Com a queda gradativa de ritmo do Red Bull-Honda de Max Verstappen, causada pelo enorme consumo de pneus gerado por um ligeiro esbarrão com a Mercedes de Bottas na primeira curva, a prova perdia mais um de seus animadores. O holandês teve de fazer duas trocas de pneus e, aos poucos, foi alijado da disputa. Ainda conseguiu ameaçar o segundo lugar de Hamilton nas voltas finais, mas uma bandeira amarela impediu a ultrapassagem no único ponto em que ela era viável. A dura luta contra uma herança de ambições A Liberty Media, que adquiriu os direitos comerciais da F1 das mãos de Ecclestone, ainda não conseguiu se livrar dessa herança danosa. Sua tentativa mais séria foi apresentada no último dia 31, sob a forma de novas regras técnicas e esportivas que trazem o início de uma solução, e que devem ser ainda aprofundadas. Delas, a de maior impacto na mídia é o teto orçamentário de 175 milhões de dólares por ano. Disso, porém, estão excluídos gastos significativos, como os salários dos pilotos e de três de seus executivos mais caros e de todas as verbas de marketing. Por alto, pode-se falar em cerca de 100 milhões de dólares, pouco mais ou pouco menos. Este teto, porém, ainda é bem superior ao orçamento atual da enorme maioria das sete equipes que constituem a chamada Fórmula 1 B, aquelas que disputam o sétimo lugar nas corridas e o quarto no campeonato de construtores, incapazes de ameaçar a hegemonia da Ferrari, da Mercedes e da Red Bull. A única a realmente se beneficiar dele é a Renault, que atualmente trabalha com orçamento menor do que as três grandes e vai ver essa diferença cair. A Fórmula 1 é formada por equipes heterogêneas. Cada uma protege seus próprios interesses e quase nunca se dispõe a colaborar com medidas que visam um futuro comum melhor. As mais ricas tentam manter o status quo, as coadjuvantes sonham com maior proeminência. Isso se reflete, principalmente, na distribuição dos prêmios tirados de uma receita anual obtida pela categoria, uma quantia próxima de 180 bilhões de dólares. Este promete ser o fator que trará mais igualdade, mas até agora não foi detalhado. No lado técnico, as novas regras propõem carros mais lentos que os atuais, com tempos de volta semelhantes aos de 2016. Os pneus passarão das 13 polegadas de diâmetro para 18, mais condizentes com os usados nos carros esportivos vendidos ao público. Essa mudança já começa na F2 em 2020, e inclui também algumas mudanças nos pneus da F1. Durma-se com um barulho desses Uma demonstração das incoerências que permeiam a Fórmula 1 ficou visível nesta sexta-feira, quando a Pirelli levou os pneus de 2020 para serem testados pelos pilotos. Sua maior mudança em relação aos modelos deste ano é o desempenho mais estável, com maior duração. O que implica, necessariamente, em um pico de aderência menor. Isso exigiria, em termos ideais, novas regulagens dos carros para adaptá-los às particularidades dos novos pneus ? o que era impossível durante os treinos da sexta-feira. Mesmo plenamente cientes dessas condições, os pilotos teceram fortes críticas aos novos pneus, como se eles tivessem sido experimentados em condições ideais e tivessem decepcionado. Esqueceram-se de que aquela era uma resposta às suas constantes queixas da pouca duração dos pneus, de seu incontornável declínio quando um carro segue o outro de perto. Sim, existem esperanças de uma Fórmula 1 mais competitiva. Existe também a certeza de que o percurso será duro, permeado por obstáculos nem sempre lógicos, quase nunca ditados por critérios coletivos. Até lá, de pouco ou nada vai adiantar um piloto ser capaz de marcar tempos um décimo de segundo mais rápidos do que os de um adversário se seu carro é quase meio segundo mais lento. Ou se um hexacampeão não consegue celebrar seu título com uma vitória porque já não tem em seus pneus vida suficiente para resistir aos ataques de um adversário de altíssima qualidade, mas que na verdade não chega a seus pés. Esse e outros assuntos são comentados por mim e pelo Cassio Politi no podcast Rádio Paddock, que é gravado às 20h30 das segundas-feiras em live no canal Lito Cavalcanti no YouTube. Créditos da imagem: Clive Mason/Getty Images/AFP

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