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Fator humano se impôs à melhor máquina no GP do Japão


Para vencer um grande prêmio de Fórmula 1 não basta ter o carro mais rápido. Isso ficou absolutamente claro neste domingo, em Suzuka, quando a Mercedes, batida fragorosamente na prova de classificação, tirou das mãos da Ferrari uma vitória líquida e certa. Um erro de Sebastian Vettel jogou por água abaixo aquela que seria a quarta vitória nas cinco corridas realizadas desde a parada de agosto. Uma vitória que adiaria por pelo menos mais duas semanas a conquista do sexto título consecutivo da rival alemã no Campeonato Mundial de construtores - e, também, o de pilotos, já que apenas Lewis Hamilton e Valtteri Bottas ainda têm chances aritméticas de levar o troféu de campeão. A superioridade da Ferrari no Japão ficou patente na fase final da prova de classificação. Por duas vezes, Vettel fez tempos que lhe dariam a pole position. Na primeira saída, ele cobriu os 5.087 metros do difícil circuito de Suzuka em 1min27s212, secundado por seu companheiro de equipe Charles Leclerc, com 1min27s535. Na segunda tentativa, o tetracampeão alemão ainda melhorou, 1min27s064. Leclerc permaneceu em segundo, mas seu melhor tempo, 1min27s253, ainda era inferior ao da primeira tentativa de Vettel. Já a melhor Mercedes, de Bottas, havia ficado a 0s229. Mesmo superando seu companheiro pentacampeão Hamilton por 0s009, o terceiro lugar do finlandês Bottas era muito pouco para comemorar. Fator humano se impõe à máquina É nesta parte do roteiro que entra em cena o fator humano, um componente que pode causar as surpresas que fazem as corridas tão atrativas. Pressionado pela presença próxima da ameaça em que se transformou Leclerc e pelas largadas fulminantes que Bottas extrai de seu temperamento nórdico, Vettel se precipitou. Permitiu que seu carro se movesse antes das luzes vermelhas se apagarem, freou para evitar a punição e viu a Mercedes do finlandês passar como um raio. Não é de hoje que Bottas mostra reflexos rapidíssimos nas largadas. É célebre a do GP da Áustria de 2017, tão imediata que foram gastas horas para verificar se ele havia rompido a inércia antes das luzes se apagarem. As imagens mostraram que nada houve de ilegal, apenas a reação de quem dedica boa parte de seu tempo ao aprimoramento das reações entre olhos e mãos, qualidade trabalhada em horas e horas de exercício e disciplina. Mais importante do que a velocidade durante as corridas de Fórmula 1 é a posição que cada carro ocupa na pista. Uma vez atrás de um adversário, um carro precisa ser muito mais rápido que o que vai à sua frente para poder ultrapassá-lo. Segundo Hamilton, um carro precisa ser oito décimos de segundo mais veloz para passar outro em Suzuka. Por dependerem da pressão com que o deslocamento do ar pressiona seus pneus contra o solo, os carros precisam estar de frente para o vento para apresentar o melhor desempenho. Sem ele, os pneus se aquecem acima da tolerância e perdem aderência. Por isso, bastou a breve titubeada de Vettel para transformar em tristeza um dia que começou brilhante para a Scuderia Rossa. Não houve erros de estratégia ou quebra de motores. Para piorar o desapontamento, após a má largada Vettel fez tudo certo dentro das possibilidades. Mas isso de nada adiantou para amenizar a sensação de fracasso, de desperdício de um trabalho que vinha se mostrando brilhante. O curto percurso do triunfo à derrota Do mau desempenho nas simulações de corrida feitas na sexta-feira, quando esteve atrás não apenas da Mercedes, mas também da Red Bull, da McLaren e até da Racing Point, a Ferrari se recuperou para dominar a prova de classificação. Seu ponto fraco recaiu sobre seus pilotos. Não apenas sobre Vettel, Leclerc também desapontou ao se envolver em um acidente com o holandês MaX Verstappen que poderia ter evitado. Mas a rivalidade extrema entre os dois pilotos, que teve início quando se desafiavam nas corridas de kart, o levou a deixar seu carro deslizar na primeira curva e bater no holandês, danificando tanto o Red Bull quanto sua Ferrari. O prejuízo foi grande. Leclerc recebeu duas punições: uma de cinco segundos, por ter sido julgado (com toda razão) o causador do acidente que acabou por forçar Verstappen a desistir da corrida algumas voltas depois; a outra de 10 segundos porque a Ferrari tentou se beneficiar da situação e demorou três voltas para chamá-lo para os boxes. Até entrar, Leclerc prendeu Lewis Hamilton atrás de si e atrasou bastante a recuperação do inglês, que já havia sido obrigado a desacelerar para não se envolver no acidente. Essa "esperteza" significou uma multa de 25 mil euros por infração ao 22º artigo do Código Esportivo. Por ele, um piloto é obrigado a voltar aos boxes imediatamente quando seu carro representa perigo para os concorrentes. A exemplo de Vettel, Leclerc fez uma corrida digna dos mais rasgados elogios após o erro inicial. Ultrapassagens maiúsculas em locais inesperados como a freada da curva Spoon, uma das mais temíveis de todo o calendário da F 1. Isso, porém, só aumentou o desapontamento da equipe de Maranello. Constatar que tinha carro e pilotos para vencer, talvez até repetir a dobradinha de Singapura, ter a chance de adiar o hexacampeonato da rival Mercedes, e chegar ao fim com um segundo e um sétimo lugares deixou um gosto amargo em Mattia Binotto e seus comandados. O brilho de Albon, Sainz, Ricciardo e companhia O conjunto da obra mostrou que vencer na F1 exige mais do que um carro capaz de fazer os melhores tempos na prova de classificação. Isso foi comprovado também pela Red Bull, com o ótimo quarto lugar de Alex Albon, pela McLaren com o quinto de Carlos Sainz e pela Renault com o sexto de Daniel Ricciardo - que cruzou a linha de chegada em sétimo mas foi promovido porque os 15 segundos de punição tiraram uma colocação de Leclerc no resultado final. Todos estes tiveram suas atribulações. Albon, estreando em Suzuka, igualou até os milésimos de segundo o tempo de Verstappen na classificação, mas uma má largada o fez cair de sexto para oitavo nos primeiros metros. Ele ganhou duas colocações com o acidente da primeira curva, uma na troca de pneus de Sainz e apenas uma na pista, de forma controvertida, ao bater na McLaren de Lando Norris (fato considerado aceitável pelos comissários). Contra si, Albon teve o desempenho abaixo da expectativa do motor Honda que, mesmo com a apregoada nova gasolina, não apresentou o ganho de potência anunciado. Sainz fez mais uma corrida eficiente. Foi seu terceiro quinto lugar no ano, consolidando-se como o sexto no campeonato. Sua principal qualidade tem sido as boas atuações nas provas de classificação, onde obteve o sétimo lugar (que equivale à pole position do segundo pelotão) e nas largadas. Daí para a frente, cuida como poucos dos pneus e, neste grande prêmio, mais uma vez fez apenas uma parada para trocar pneus, garantindo o ótimo resultado final. Já Ricciardo mostrou que há esperanças para a recuperação da Renault no próximo ano. Um erro na suspensão traseira o relegou ao 16º lugar no grid. Corrigido o problema, ele voltou a fazer ultrapassagens brilhantes, mostrando a eficiência da nova asa dianteira trazida pela equipe francesa. Também com ela, Nico Hulkenberg passou de 15º no grid para décimo no final, evitando o enterro definitivo da esperança de tirar o quarto lugar no Mundial de Construtores da McLaren, que também utiliza os motores fabricados pela Renault. De volta ao lugar merecido Outro resultado louvável é o oitavo lugar de Pierre Gasly com seu Toro Rosso. Substituído na nave-mãe Red Bull no fim de julho, ele vem mostrando a capacidade demonstrada nas categorias de base e no ano passado nessa volta à equipe B. Ela tem como chefe o alemão Franz Tost, que traz larga experiência no trato com jovens pilotos desde seus tempos nas corridas menores, como a Fórmula 3. É ele o responsável pela recuperação de Gasly e do russo Daniil Kvyatt, ambos traumatizados pelo tratamento frio da Red Bull. A eles Tost ensinou a importância de se concentrarem no aprimoramento de suas qualidades e na evolução de seus carros, sem perder o foco olhando em outras direções. O Grande Prêmio do Japão foi, por tudo isso, uma mostra de que a Fórmula 1 é muito mais do que carros velozes. O fator humano foi, como sempre é, o que decidiu tudo. Como provou enfaticamente Lewis Hamilton ao registrar a melhor volta da corrida já a poucas voltas do final, batendo o tempo de Charles Leclerc por enormes 608 milésimos de segundo. Naquele momento, ele queria deixar claro que tinha condições de superar as limitações do seu equipamento e vencer a prova, que não o fez porque a equipe ordenou que ele parasse para trocar pneus que ele ainda considerava em bom estado. Uma decisão que priorizava a conquista do sexto título de construtores e preservava a vitória do sempre leal Valtteri Bottas. Enfatizando que o fator humano é o que determina o resultado de uma corrida.

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