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Escassez hídrica exige mais do que respostas fáceis, escreve Xico Graziano


Em 1981 ocorreu o pico da mais longa e terrível seca que, nos anos recentes, afetou o Brasil. Em 7 anos, morreram 3,5 milhões de brasileiros, principalmente no sertão nordestino. Imaginem se a tragédia acontecesse nos dias atuais. Hoje testemunhamos a pior escassez hídrica, nunca verificada, dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro Oeste do país. Obrigado a acionar as onerosas, e ambientalmente sujas, termoelétricas, subiu a conta de luz. Qual a razão da seca? Desmatamento. Essa tem sido a resposta-padrão. Pode ser. Mas bem antes da expansão da fronteira agrícola -como, por exemplo, de 1934 a 1936- o país também padeceu pela extrema falta de chuvas. Naquela época, ninguém falava em "mudanças climáticas". Agora, virou palavra-mágica. Complexo é decifrar o fenômeno climático que nesses dias está elevando a conta de luz e atormentando a vida dos agricultores. Sua compreensão fica mais difícil ainda quando se repassa a história.... Terríveis secas, que duraram décadas na virada do 1º milênio, foram decisivas no aniquilamento da antiga civilização Maia. A falta de alimentos causada por prolongadas secas igualmente destruiu a sociedade Anasazi, no Chaco Canyon, Sudoeste dos EUA. Ambas as situações são relatadas por Jared Diamond, em seu extraordinário livro 'O Colapso' (Ed. Record). Há risco de colapso civilizatório em nosso tempo? Não. A era do conhecimento tem mostrado que problemas causados pelo aumento da pegada ecológica sobre a Terra resultam em soluções ambientais. O cérebro move o conhecimento científico, que aciona o botão da tecnologia e cria sustentabilidade. O avanço tecnológico tem, sistematicamente, desmentido os pessimistas, como Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, que afirmou estar o mundo 'perto de um ponto sem retorno'. O catastrofismo significa um menosprezo à inteligência humana. Basta dar uma olhada na agricultura irrigada de Israel, ou conhecer as fazendas inteligentes instaladas no deserto do Saara, ou na Austrália. A dessalinização das águas do mar, facilitada pelos novos processos industriais, abre fronteiras inimagináveis na produção mundial de alimentos. Desertos geram comida. Quem diria. O custo ainda é elevado, mas se reduz com o aumento da escala de produção. Energia solar, baixo carbono, sem resíduos, a aridez dos desertos e a eventual proteção de estufas livram as lavouras de pragas. Zero agrotóxicos. Se preferir o exemplo verde-amarelo, vale conferir a fruticultura do Rio São Francisco, no sertão nordestino de Pernambuco à Bahia. Ou na Chapada do Apodi, do Ceará ao Rio Grande do Norte. Ou a triticultura irrigada no Oeste da Bahia. Por todo o Brasil, várias formas, exitosas, de irrigação trazem um ensinamento fundamental: chuvas são dispensáveis ao sucesso da agropecuária. Mas a água, esta é imprescindível. Chuva depende das nuvens; água depende da tecnologia. Está se alterando o regime de chuvas no Brasil? Notoriamente. Os agricultores mais antigos testemunham tal modificação. O período de chuvas anda incerto e irregular. Antes chegavam mais cedo as águas da primavera. Meio maluco anda o tempo, se diz na roça. Qual a causa das mudanças climáticas? Qual a causa das mudanças climáticas? Aquecimento global é a resposta genérica ao problema das secas. Na Califórnia e na Austrália, longos períodos secos arrasam a produção agropecuária desde o final do século passado. Com 100% da fruticultura irrigada, o Oeste norte-americano fura poços sem parar, pois as geleiras das Montanhas Rochosas minguam. Na China, os níveis de chuva nas regiões ao sul do Rio Yangtzé, estiveram, em 2020, entre 50% e 80% abaixo do normal. Cerca de 500 mil hectares de terras agrícolas perderam safras. Faltou inclusive água potável. Pois bem. Em todos esses locais, o desmatamento do território acabou há mais de século. Desmatamento zero. Mesmo assim, pioraram as secas. Fenômenos complexos não admitem respostas simples. Há muitas incertezas sobre os fatores que influenciam as chuvas, entre elas a função das correntes marítimas, principalmente, por aqui, das conhecidas El Niño e La Niña. O conhecimento científico comprova que a ocupação de territórios virgens, pela produção rural ou pelas cidades, provoca alterações climáticas, mas localizadas. Ventos se alteram. Ilhas de calor surgem. No macroclima, porém, agem forças maiores. E predominam as hipóteses. Supõe-se que o desmatamento da Amazônia estaria afetando o regime de chuvas no Sudeste, pelo efeito de desabastecimento dos 'rios voadores'. Pode ser. O assunto é controverso. Físicos que discordam lançam um enigma: a Floresta Amazônica existe porque lá chove bastante, ou lá chove bastante porque tem floresta? Quem chegou primeiro, a água ou a floresta? Nesse mundo das ideias políticas polarizadas, e no qual todos viraram 'especialistas' da internet, resta pouco espaço para a reflexão crítica. Esta, porém, é essencial ao saber. Soa como uma tortura acusar o agricultor pelos incêndios que devastam os campos, pois ninguém mais padece com a seca que ele próprio. Quando a língua do fogaréu enegrece os campos, os produtores rurais tentam conte-lo, mas nem sempre os aceiros seguram sua fúria, que dizima as pastagens. Gado sofre morre, mourão da cerca vira carvão. Na maioria das vezes, mãos desavisadas causam terríveis queimadas. Noutros casos, criminosos se aproveitam da seca para atear fogo nos canaviais. Usinas e fornecedores de cana-de-açúcar montam brigadas contra incêndios, mas não vencem a desgraça. Choram de tristeza. É uma maldade responsabilizar o produtor rural pelo seu próprio sofrimento, como se a agricultura fosse a causa da seca. Trata-se de uma infâmia inventada pelo mundo urbano contra a roça. Foto: Pexels.

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